sexta-feira, dezembro 28, 2012

Quase amargura



Não sou eu quem para diante das imagens sensacionais e alheias que pipocam pelas redes sociais. Não sou eu o homem que chora a enxurrada que leva móveis de fórmica e compensados pelas ruas suburbanas das capitais. Não sou eu quem grita o nome do time vitorioso em mais um campeonato milionário. Não sou eu quem ignora os vizinhos empilhados sobre madeirites, ao pé do córrego. Não sou eu quem sente o coração mais frio diante da urna funerária onde depositaram os restos de um amor qualquer.
As árvores exibem suas luzes e doces, os pais gabam-se dos gastos e economizam abraços, as mães amontoam-se pelos salões de beleza, os sacerdotes suam sob as vestes sagradas, a bela neve de longe congela as veias, a morte, entre os cegos do caos, passeia.
Nas redes sociais exibimos nossos fantoches, nas ruas, a solidão, nos quartos destilamos a avareza, empoamos sorrisos de gesso.
Não sou eu quem rasga a própria amargura enquanto range os dentes. Não sou eu quem vomita inveja diante da TV. Não sou eu quem se lança de arranha-céus, lado a lado com a esperança. Não sou quem escreve estático por não enxergar a saída.
Os fogos não queimam o que dói, as ceias não fartam as almas, os abraços não aquecem o que é frio.
A vida já rompe interrompida. A compaixão, se é verdadeira, fica.

quinta-feira, dezembro 20, 2012

Para gostar do Natal



Acredite, existe
Bem macio, um Espírito
Que nos emana esperança
Nos irmana
Vai além das compras
Das crises
Dos desabraços
Da suntuosa ceia sem sabor
Do presente indesejado
Do desejo míope realizado
Um Espírito que nos avisa
A todos os credos, aos incrédulos
Que nasceu um Salvador

domingo, dezembro 16, 2012

Leve suas batatas, Corinthians



As brincadeiras e provocações são elementos que tornam o futebol mais divertido, disso ninguém tem dúvida. Lembrar feitos vergonhosos do time adversário, fazer trocadilhos, exaltar a falta desse ou daquele título, são coisas que animam as rodas de conversa, causam risos, preenchem os vazios das conversas constrangedoras. A brincadeira com o time adversário só fica desagradável quando o torcedor é chato e desagradável por natureza.
Todas as provocações não grosseiras, todas as piadas não estúpidas, todas as lendas não difamadoras são válidas até um time sair vencedor. A partir daí, o normal é esperar que os vencedores curtam a vitória e que os perdedores reconheçam a superioridade do adversário, ou que se calem e deem passagem ao campeão. A deveria ser simples assim. Como Machado já nos mostra com a filosofia humanitas, lá nas Memórias do cínico Brás Cubas: ao vencedor, as batatas!
Acontece que, infelizmente, o mundo é povoado por pessoas rancorosas, invejosas, que amam tripudiar, humilhar, provocar para além do limite da amizade e do bom-senso.o mau vencedor, na hora da vitória, passa a maior parte do tempo insultando os adversários, enquanto o mau perdedor tenta desmerecer o ganhador, fica relembrando em tom de agressão as conquistas do seu time, caça desculpas esfarrapadas para justificar o êxito do outro. Aí o que deveria ser legal vira uma coisa desagradável, chata, pedante, canhestra.
Em São Paulo temos quatro times grandes na história do futebol. Cada um deles tem seus momentos de glória e de ocaso, de magia e de mediocridade, de arte e do mais barato prosaísmo. Agora é a vez do Corinthians. Deixem os caras comemorar, o time deles, para levantar a taça de campeão mundial de clubes venceu um campeonato nacional, outro continental e desbancou o campeão europeu. O título é incontestável.
Os são-paulinos precisam saber que a conquista de hoje não apaga os diversos títulos de seu time, que é grande, o que mais conquistou Libertadores e mundiais entre os clubes brasileiros. Mas hoje quem manda no futebol é o Corinthians, gostemos ou não. Os palmeirenses, em baixa por conta do rebaixamento, não precisam ranger os dentes de ódio. Têm o privilégio de torcer para um clube que teve Ademir da Guia entre seus maestros, que já venceu Libertadores e que teve o maior time brasileiro dos anos 90, aquele do Edmundo, do Muller, do Roberto Carlos, do Cafu, do Rivaldo… lembrem-se de que o Corinthians, hoje campeão mundial, também passou por um rebaixamento e conseguiu dar a volta por cima de um jeito extraordinário. Aprendam, pois já é tempo.
Santistas como eu, que torceram para o Chelsea como se aquele uniforme azul fosse o nosso comemorativo do centenário, se não puderem dar os parabéns para o time do Parque São Jorge, fiquem calados. Somos privilegiados por torcer para o clube da Vila Belmiro, de todos aqueles craques tão conhecidos. Tivemos nossa chance ano passado e deixamos que o medo nos miasse; tivemos nossa chance esse ano e preferimos a letargia dos craques arrogantes à garra dos medianos esforçados. Contribuímos para a festa corintiana. Deixemos os fogos pipocarem, as confusões pueris sobre imigração e excursão, as contas duvidosas sobre ser campeão ou bi, os verbos no modo imperativo clamando por sucções de lado. Aplaudamos ou nos calemos: o que passar disso é pura chatice, semente de amargura, rebaixamento ético.
Que cada um de nós saiba reconhecer os méritos dos adversários e que saiba curtir sua dor em seu lugar, sua alegria sem sede de vingança. É essa fúria desproporcional que faz os outros antipatizarem com o seu clube. A nossa alegria não precisa ser temperada com a humilhação alheia; a nossa tristeza não precisa virar ódio. E que o jogo siga em 2013, com novas batatas a serem conquistadas e assadas

segunda-feira, setembro 24, 2012

quinta-feira, julho 12, 2012

Granta e o mimimi




Agora que a Granta brasileira já lançou seu número com jovens escritores locais, o ideal seria comentarmos apenas os contos, os selecionados – acho que pega melhor dizer selecionado, em vez de escolhido – as novidades, tendências e estilos. Mas a literatura e seu entorno não é feita apenas de ideias, mas de choro, ranger de dentes, diletantismo e perdigotos.
Eu, como muitos autores com menos de quarenta anos que já publicou alguma coisinha, enviei material para análise e, obviamente, não fui es... selecionado – começo a ter dúvidas com o selecionado também, parece coisa de fruta da estação. Achei normal, em uma profusão de textos para serem lidos, com tantos autores talentosos, alinhados ou não com o que a Granta procurava, estou certo de que gente boa e gente ruim ficou de fora da lista final – eram cerca de 12.35 candidatos por vaga, proporção de vestibular da FUVEST!
O que eu não esperava ver, após o lançamento da revista, na FLIP – parafraseando Lobão e sua visão do inferno, a FLIP não existe para quem não esteve lá – era ver tanta reclamação, tanto mimimi, tanta lenga-lenga quanto a que se viu em blogs como o da Raquel Cozer. Ora, todo jogo tem suas regras, que os participantes sempre aceitam, ainda que não concordem, antes de entrar na partida. Ficar depois levantando suspeita sobre a idoneidade dada Granta, que não promoveu nenhum concurso público, é sinal de, no mínimo, deselegância. Viraram todos raposas a desdenhar as suculentas uvas verde-amarelas?
Sabemos da importância de fazer parte de uma coletânea como a Granta. Ela pode abrir portas no exterior e aqui dentro também. Mas um autor ruim que eventualmente faça parte da revista – ainda não li nadinha e não conheço todos de antemão; sei há gente talentosa entre os escolhidos, selecionados ou eleitos, tanto faz – ele continuará ruim, pois a revista não é, que eu saiba, milagrosa. E ninguém está condenado para a literatura porque foi preterido pela Granta ou por qualquer outro concurso que exista no mundo.
Se chamou a atenção o fato de alguns dos autores da Granta trabalharem na imprensa e em editoras conhecidas, ainda que uma ou outra cambaleie do ponto de vista comercial, deveria chamar ainda mais a atenção que os novos escritores fossem participantes de realities shows, políticos ou pastores de igrejas neopentecostais, ou seja, oriundas de classes profissionais que, grosso modo, não lê ficção. A proporção alta de funcionários de certas editoras na lista final indica, talvez, uma tendência, um estilo da preferência dos jurados, e não, necessariamente, uma panelinha – e, cá pra nós, se houve essa panelinha, azar o nosso. A literatura é muito vasta e qualquer jurado de concurso já chega com suas opções estabelecidas; se não houve num concorrente capaz de fazer o jurado mudar e ideia...
A nós, que não entramos na Granta, restam algumas opções:
a)      parar de escrever (torço para que muitos façam esta escolha, de coração);
b)      juntar forças e lançar um outro veículo que faça frente com a Granta – talvez demore algumas décadas para alcançarem o prestígio da rival;
c)       continuar escrevendo, sem colocar qualquer tipo de concurso ou edital na frente de sua obra.
Não quero desdenhar dos concursos e editais. Sei da importância deles, que ajudam muita gente. Acho mesmo que o governo, por exemplo, deveria promover muito mais iniciativas que lançassem e bancassem escritores. Mas estou certo de que a literatura pode até sobreviver sem concursos, editais, com panelinhas e até mesmo com editoras que viram as costas para muita gente boa, mas ela não vive sem escritores talentosos que se dedicam a produzir uma obra. E outra: a maior parte do que escrevemos, quer queiramos ou não, vai acabar sendo esquecido até por nós mesmos, quem dirá pelos nossos contemporâneos e, pior ainda, pelos que vierem depois de nós. Isso pode funcionar como uma vingança muuuito tardia, a depender de sua capacidade de guardar rancor. Querem uma prova?
A Baroneza de amor, Ouro Sobre Azul, Gabriella (não é a do Jorge Amado, a de cravo e canela), Doutor Benignus, Má estrella e Virgem da tapera já estiveram entre os melhores romances de todos os tempos! Essa lista foi tirada do livro da Márcia Abreu, Cultura letrada – literatura e leitura.

Quando a amizade acaba?



É certo que existem amizades que podem superar coisas aparentemente inconciliáveis. Hoje, na escola, presenciei algo que vinte anos atrás seria bem pouco provável e, na verdade, atualmente, entre adolescentes, bastante difícil de acontecer: dois colegas de classe, aspirantes a cantores, um de pagode, outro de rock, ao ouvirem a minha sugestão de futuramente gravarem um disco que misturasse os dois estilos – algo dito de brincadeira, pois não aguento mais essas antropofagias sincréticas mercadológicas – não fizeram cara de nojo ou espanto; na verdade, acharam algo interessante, ainda que pouco viável.
Amizades nascem de afinidades, lógico, mas não precisam segregar os diferentes. Meus melhores amigos da adolescência gostavam do mesmo estilo de música que eu; os dos tempos de faculdade, dos mesmos escritores, outros catados por aí, tinham afinidades ideológicas, e muitos não têm quase nada em comum, tirando o fato de compartilharmos a mesma fé.
Na verdade, eu sempre fui alguém deslocado: na família católica, era o “bode protestante”; na igreja batista, o “roqueiro socialista”; entre os parceiros de música, o “crente que curtia MPB”; na faculdade, o “tonto religioso de direita”, por não apoiar partidecos bolcheviques e assembleias estudantis mais viciadas que roleta de cassino clandestino. E em todos esses lugares convivi com pessoas admiráveis, mantive amigos, alguns perdidos, outros distantes, outros sempre por perto.
Se é possível construir amizades entre pessoas tão diferentes, também é possível sufocá-las até mirrarem. Não pergunto sobre as obviedades, traição, dinheiro, mulher. Nesses casos, muitas amizades não eram sinceras, outras, de tão verdadeiras, com uma boa dose de perdão e tempo, podem reflorescer. Não falo da distância física, que até pode alargar os relacionamentos, mas todo mundo tem aquele amigo que não vê há muito tempo e num simples restabelece a intimidade o afeto escondido debaixo da poeira das obrigações. Então, o que pode gerar um rompimento?
A amizade sempre gravita em torno de um ponto de afinidade. Aquele meu amigo ex-malufista, corintiano, admirador de regimes totalitários, chegado a formas militares de administração, frequentava a mesma igreja que eu. Posso dizer, com medo de parecer piegas, que Jesus nos unia. Mas seria só Jesus, o que para nós não é pouco, se eu, na convivência com ele, não visse ali um cara que busca sempre a justiça, que é solidário, humilde de verdade, generoso, responsável, verdadeiro, divertido, afável. E essas qualidades foram, com o tempo, ocupando espaços em minha vida, a ponto de ele ser mais próximo e querido por mim do que muitos outros com menos “defeitos” – sei que as aspas são desnecessárias, estão aqui para fazer média.
Aí eu penso, se esse meu amigo, de repente, perdesse a generosidade e virasse um cara mesquinho, arrogante, soberbo? Aí, o ponto de afinidade ainda nos uniria, embora nossas relações esfriassem significativamente. Se, além dessas mudanças todas um de nós deixasse a fé, é provável que a amizade terminasse – embora, eu deva dizer, não sei o que esse cara viu em mim para que fôssemos amigos.
Então a amizade acaba quando as pessoas mudam, seguem trajetórias diferentes, quando um passa a desprezar, ou odiar, aquilo que o outro ainda admira, caso não tenham surgido outros pontos de contato. Quando os rumos divergem, a lembrança dos bons momentos vividos pode sustentar a relação, mas ela será cada vez mais frágil. Caso a admiração, ou a gratidão, coisas comuns entre amigos, se esfacele, fica, no máximo, a obrigação e o respeito de protocolo, que é a morte de qualquer amizade, mais letal que a traição, eu acho.
Tenho observado amizades que passam por períodos críticos. Uma frustração – “achei que poderia contar com aquela pessoa nesse momento tão difícil” – a perda do ponto de contato – “antes a gente pirava naquele autor, agora o cara diz que só os ingênuos podem gostar daquela porcaria” – o cultivo do rancor, que é o cupim dos relacionamentos. Também percebo que a ausência indiferente pode corroer.
Mas, acredito, por fácil que seja ver uma amizade se desmanchar igual chocolate fino em língua de criança, o perdão é o melhor desfibrilador. A saudade também pode ajudar muito nesses casos. Se não pode haver perdão, se não existe saudade, será que um dia houve mesmo amizade?

Piza e a direita elegante


Soube da morte do jornalista Daniel Piza apenas uma semana depois do ocorrido. Não exagero ao dizer que fiquei estarrecido.
Não posso dizer que era um fã, nem mesmo um grande leitor de Piza. Na verdade, já fazia algum tempo que não conseguia ler seus artigos, seja porque tratavam de assuntos que não me interessavam, seja porque eu sempre ficava na dúvida se o autor era um grande conhecedor do tema ou um enorme picareta.
Aliás, já vinha notando em Piza dois defeitos significativos: uma arrogância latente, que lhe fazia desmerecer qualquer um que não comungasse com suas ideias elitistas – no pior sentido do termo – e suas técnicas de fazer supor que era o maior leitor das galáxias e o maior entendedor de todos os assuntos possíveis. Muita gente embarcou nessa, mas não eram poucos os que preferiam simplesmente ignorá-lo, o que, devo dizer, não era justo; o jornalista conquistou espaço significativo na cultura nacional.
Eu seria muito injusto se não levasse em conta as qualidades de Daniel Piza. Se é claro que lamentaria a morte fora de qualquer ser vivo, não me daria ao trabalho de escrever nada sobre os que não deram contribuição alguma a minha existência. Houve um período em que lia Piza por concordar com muitas coisas que ele escrevia; há mesmo uma frase dele com a qual faço coro constante, inclusive a parafraseando sempre que acho necessário: “a leitura não é um fim em si mesma, não tem valor por si só; ela precisa ser direcionada para algo que realmente valha a pena”. Traduzindo: a frase “pelo menos ele lê” é tola, pois ler o oco não contribui para a formação intelectual, social, humana de ninguém.
Daniel Piza foi o responsável por uma árdua biografia de Machado de Assis, de quem era leitor voraz e participou da adaptação de Luiz Fernando Carvalho para a Rede Globo, um dos trabalhos, na minha opinião, mais audaciosos e marcantes para a televisão dos últimos anos. Embora eu acredite que Machado tenha nome envolvido em justificativas intelectualoides para desmandos e elitizações baratas, vejo Piza como um grande leitor do Bruxo, habilidoso, inclusive, para tentar colá-lo a uma “tradição conservadora” na política nacional, sendo que esta classe era particularmente alfinetada pelo autor das Memórias Póstumas e do conto Teoria do Medalhão.
Quando falava de economia, Daniel Piza parecia mais um escrevente do tucanato, mas como citava e recitava mantras que ecoavam como a única verdade possível, muita gente embarcava, enquanto outros o execravam. Quando tateava na crítica literária, o fazia sempre agarrado a algum crítico de renome que não fosse de esquerda, mas sempre com desenvoltura. Se dava até ao trabalho – ou à cara de pau? – de fazer listas de “melhores  ano” sobre praticamente tudo, e ainda se infiltrava entre os jornalistas esportivos, na rádio, na televisão e com mais uma coluna no jornal.
Tudo isso, que muitas vezes soava como o reflexo de um ego maior que o seu talento, e que tantas críticas gerou – suas incursões na literatura, na poesia e na prosa, nunca tiveram outra função além de provocar o riso nos desafetos e engordar o próprio currículo, sendo que entre seus títulos encontramos o chavão “Noites Urbanas” – serviram para que Daniel Piza nos servisse como uma espécie de amigo chato, com quem gostamos de conversar justamente para discordar dele, mas do qual não conseguimos nos afastar por muito tempo. Como o cara gostava de escrever sobre praticamente tudo, vivia em uma ansiedade e com um ímpeto de produtividade realmente admiráveis, seus artigos, ainda que fosse rasos, mas decorados com plumas acadêmicas, tinham a função de nos fazer pensar e jogar conversa fora quando abríamos o jornal, especialmente nos domingos pela manhã.
Daniel morreu prematuramente, e tenho a sensação de que ele ainda buscava sua grande obra, seu grande legado. Com espaço privilegiado na imprensa e na televisão – e muito bem relacionado, só pode – experimentava a cada texto, buscando, me parece, a sua verdadeira vocação, além de ser um leitor guloso – mas com menos aproveitamento do que gostava de nos fazer crer – e estudante aplicado. Era tradicional e elitista, o que há aos montes na imprensa brasileira, mas esbravejava muito menos que seus pares, tinha algo que está em falta entre as viúvas de Higienópolis, como Jabor, Azevedo e Mainardi: elegância. Seus textos, quando não tentava fazer literatura, eram ágeis, agradáveis de serem lidos, mesmo que carregados de meias verdades e abastecidos com gordas doses de empáfia. É estranho, é cafona e soa falso, mas tenho sentido a falta de Piza.

segunda-feira, julho 09, 2012

Adeus Lênin, adeus Ganso



A primeira parte do título acima faz referência ao filme alemão de 2003, do diretor Wolfgang Becker. Nele, a mãe do protagonista, defensora árdua do regime ditatorial da Alemanha Oriental entra em coma justamente durante o período da queda do muro de Berlim. Como ela não pode passar por emoções fortes, sua família, em especial seu filho, fazem de tudo para esconder dela que os comunistas, apoiados pela já em processo de decomposição URSS, já caíram do poder.
Aquele socialismo, implantado por ditadores que prometeram igualdade e liberdade e entregaram burocracia, perseguição e apenas distribuíram mediocridade, foi tarde, sem cumprir as falácias que derramou sobre o povo. Ganso, que, tudo indica, está de saída do Santos, não fez pouco pelo Santos, mas tem se esforçado para sair pela porta dos fundos do clube. Está muito perto disso.
O jogador fez partidas antológicas pelo time da Vila, conquistou três estaduais, uma Copa do Brasil e uma Libertadores, ao lado de Neymar e companhia, mas em alguns momentos importantes, por contusão ou má vontade – agora já nem é possível saber – deixou muito a desejar. Suas apresentações contra o Corinthians, nas semifinais da Libertadores, foram pouco menos que frustrantes, como já havia acontecido contra o Vellez nas quartas de final do mesmo campeonato. Seu baixo rendimento, somado à sua crônica insatisfação com os rendimentos que o Santos lhe oferecia, deixaram a diretoria do clube irritada e os torcedores desconfiados. Não podemos ser ingratos com o meia mais talentoso da atualidade, tampouco devemos fechar os olhos para o fato de que ele não vem jogando, não vem se empenhando como deveria, na certa por acreditar que deveria estar em outro lugar, ganhando mais.
Vale lembrar que na seleção, até agora, Paulo Henrique Ganso ainda não justificou sua fama de craque. Que Giovanni, o craque e ídolo do Santos que o levou até o alvinegro praiano, rompeu com o meia problemático, sugerindo que o caráter do jovem jogador passa por uma crise de instabilidade.
O que podemos dizer ao Ganso? Obrigado pelas alegrias proporcionadas, sinta-se perdoado pelas partidas ridículas que jogou e boa sorte em seu novo clube. Eu, particularmente, se fosse dirigente de qualquer clube brasileiro, não perderia meu tempo negociando com esse atleta, pois está na cara que qualquer parada dele por essas terras não passará de uma simples escala para clubes europeus – onde ele também poderá passar a vida insatisfeito, achando que deveria estar em outro lugar. E ainda há as contusões constantes, por falta de sorte ou por ser relapso, já não podemos afirmar nada sobre Ganso.
Assim como as estátuas de Lênin que foram removidas da antiga Alemanha Oriental, o jogador está se esforçando para ser um grande estorvo, sem ponto de chegada definido. Que ele acorde antes que seja tarde, antes de virar mais uma promessa que não se cumpriu.
O que nos alivia é saber que Ganso, ao contrário de Lênin, Stálin e toda as canhestrice comunista alemã, se não cumprir o que prometeu, ao menos não será responsável por mortes, famílias separadas e regimes ditatoriais.

quinta-feira, junho 28, 2012

Entre a vida e a Libertadores 2012



No segundo jogo entre Santos e Vellez, meu pai e meu irmão vieram assistir à partida aqui em casa. Sou casado há quase dois anos e foi a primeira vez que assistimos a um jogo aqui em casa. Meu irmão trabalha à noite, meu pai não é muito de sair de casa. Com eles também veio a família de um amigo que conheço há 30 anos, desde os nem tão saudosos assim tempos de pré-escola, mas esse sempre está por aqui, com ou sem jogos.
O jogo foi truncado, ruim, e não deixou muitas esperanças de que a gente pudesse vencer pela segunda vez consecutiva. Mas torcemos juntos, nos angustiamos juntos, nos divertimos juntos, e vencemos juntos, ficamos aliviados juntos. Valeu mais que algumas vitórias mais fáceis.
O jogo contra o Bolívar, na Vila, eu assisti em casa, sozinho. O Santos precisava vencer. Foram oito gols, sendo que pelo menos seis foram golaços. Quando minha esposa chegou em casa e eu falei o resultado, ela achou que eu estava brincando e que o Santos havia perdido. Tolinha.
Quando Neymar, Ganso, Arouca, Kardec e companhia já davam olé naqueles bolivianos cavalos, recebi um telefonema da minha sobrinha. Não, não seria o melhor momento para ligar, o pai dela também é santista e gritava do outro lado da linha a cada desperdício do time da Vila. Ela queria me avisar que fora aprovada no vestibular. O jogo ficou em segundo plano.
No segundo jogo contra o Inter, minha sogra internada, o coma. Recebemos a visita, na hora do jogo, de alguns amigos que queriam saber como estávamos, eles mesmos haviam perdido um ente muito querido poucos meses antes. O jogo terminou empatado, o que para o Peixe não deixou de ser lucro. Neymar perdeu alguns golaços, mas, quando nossos amigos foram embora, a tristeza pela proximidade da tragédia era bem menor, e não foi pelo jogo.
No segundo jogo contra o time peruano de escrita chata, recebi amigos em casa, mas uma chuva daquelas derrubou o sinal e não vimos quase nada do jogo, que foi mais ou menos por causa da chuva. Enquanto o jogo não reaparecia na tela, me deliciei com o filho desse meu amigo quase irmão – logo, os filhos dele são quase meus sobrinhos – de três anos incompletos, lendo as histórias da Branca de Neve e da Cinderela lá do jeito dele, ou seja, pelo que ele conseguia concluir vendo as figuras. “ela tá sem sapato!” e “a princesa tá morrida!” foram as frases que ficaram na memória dessa noite.
No primeiro jogo contra o Inter, também estava com visita em casa. Vi dois gols antológicos.
No primeiro jogo da Libertadores, contra aquele outro time boliviano que sempre faz papelão, eu pensei que a minha operadora não tinha o canal da Libertadores no pacote. Descobri por acaso, na hora do jogo, e vi o Santos perder, mas jogando muita bola. Fui dormir cheio de sonhos futebolísticos que não se realizaram.
Agora, no primeiro jogo contra o Corinthians, estávamos com a Nina em casa, um filhote de Maltês que trouxe a nossa casa uma felicidade felpuda e agitada. Ela comeu umas pipocas que caíram no chão e ficou doente até conseguir pôr para fora o que lhe afligia. Sofri mais pela Nina do que pelo jogo, e olha que perder para o Corinthians sempre dói.
No segundo jogo, sem visitas em casa, não jogamos nada e perdemos, apesar de empatarmos. No dia seguinte eu tinha entrevista para o mestrado, o que, na hora da partida, não me afligia tanto.
Na primeira final entre Corinthians e Boca, assisti ao primeiro tempo sem prestar atenção e fui dormir.
Entre uma rodada e outra do campeonato, perdi minha sogra, que era corintiana. Ela estaria empolgada.Passei uma semana tentando torcer para o Corinthians, mas não consegui. Desde o começo da Libertadores, escrevi dois livros infantis em versos, que o amigo e parceiro Daniel Argento está ilustrando e diagramando. Mudei de escola. Revisei para algumas editoras. Chorei bastante. Sorri menos. escrevi outras coisas. Voltei a nadar, mas pouco, por causa do ombro. Tive uma suspeita de dengue e uma hipoglicemia que quase me empacotou. Passei a amar um pouco mais a minha família. Repudiei Lula, Maluf, Hadad, Soninha, Serra, Demóstenes, algumas revistas semanais, jornais e emissoras de televisão. Li muitos fragmentos de livros, alguns inteiros, incluindo Cabeça a prêmio, de Marçal Aquino. E, com tudo isso, fiquei com aquele gosto de vida vivida pela metade.

quarta-feira, junho 27, 2012

A Libertadores nos deixou cativos



Se você é brasileiro e não torce para o Corinthians, qualquer resultado da final da Libertadores terá um gosto azedo. De um lado, um time argentino que luta pelo sexto título continental, teto que dificilmente um time brasileiro alcançará nas próximas décadas; de outro, o time que todos nós adoramos ver sofrer, cujos torcedores estão prontos para transformarem as próximas semanas em um pequeno inferno, com gritaria, rojões, palavrões e manifestações piegas de apreço e arrogância.
Quem não torce para o Corinthians tem algumas opções: torcer para o argentino Boca e amargar a hegemonia desse time na América Latina; torcer para o Corinthians, “porque é um tié brasileiro”, e ver toda a “nação corintiana” fatiar nossa paciência nos próximos, sei lá, quatro séculos; torcer para a Argentina invadir as Ilhas Malvinas nos próximos dias e a Libertadores ser cancelada. Esquecer tudo e ir ao cinema, ver A febre do rato, de Claudio Assis, ou As sombras da noite, de Tim Burton. Eu ainda tenho a opção de ir nadar e depois ficar na festa junina da academia (se o meu braço, que hoje está doendo demais, deixar). Também há o SArau da Cooperifa, comandado pelo @poetasergiovaz .
De qualquer forma, esse ano, a Libertadores nos privou de torcer até mesmo contra.
P.S.: juro que tentei torcer para o Corinthians, mas não consegui.

sexta-feira, junho 15, 2012

O que o Santos precisa saber



Um belo exemplo de arrogância e estupidez é a imagem de um leigo dando palpites técnicos para um profissional. Como professor de português, de escola pública, ouço o tempo todo pais e não pais bancando os catedráticos sobre o modo de ensinar os alunos. Os anos passados na faculdade não contam mais do que o achismo cheio de lugares comuns e equívocos sobre o que deve ser a educação ideal. A escola também pode ser a selva do empirismo sem critério.
Só existe uma classe de profissionais que sofre mais com os palpites do que professores: a dos futebolistas, técnicos e jogadores. Na pátria de chuteiras e sem bibliotecas, todos nós jogamos ao menos meia dúzia de peladas, assistimos a jogos desde o útero e prestamos muita atenção ao que é dito nas mesas redondas, por “profissionais gabaritados”; tudo isso somado deve nos colocar no mesmo nível de Telês, Saldanhas, Bielsas e Guardiolas.
Não tenho a menor pretensão de dizer o que é certo a um grupo vencedor e de alto nível de profissionais que é o time do Santos, comissão técnica inclusive. Sou um mero torcedor que passou mais tempo lendo as crônicas do Luis Fernando Verissimo do que jogando futebol. Não posso dar palpites sobre esquema tático, substituições e coisas do tipo sem virar um palpiteiro, ou um torcedor apaixonado.
Mas sou um torcedor. Vi algumas partidas antológicas do Santos, sei da nobreza que este time ostenta, da constelação de estrelas que sua galeria de craques abriga. E sei o que é um time sem raça.
O jogo contra o Corinthians pela Libertadores foi triste. Faltavam ao Santos concentração (quantas bolas fáceis não foram dominadas), marcação mais convincente no meio de campo (o time marca muito atrás e perde muitas bolas no meio, não é de hoje), um lateral-direito (Henrique não se adapta naquela parte do campo, é volante; perguntem onde eles estava no momento do golaço do Emerson?) e faltou vontade de vencer.
Havia no Santos, fora todos os vacilos, fora toda marcação competente do adversário, uma falta de gana que tirou desde o momento do gol toda esperança do torcedor do time da Vila. O time não aprendeu muita coisa com o Barcelona: ficar tocando a bola sem vontade no campo de defesa, de um lado para o outro, não é posse de bola sadia: é falta de interesse no jogo. Infelizmente, e digo isso com pesar, o alvinegro praiano agia de um modo semelhante à seleção brasileira no horrendo jogo contra a França na Copa de 2006: achava que o gol sairia a qualquer momento, afinal de contas, naquele grupo havia craque pra todo lado.
Isso era o que parecia ao torcedor, pode ser que não seja a verdade. Mas uma boa verdade é que o Velez aprendeu a marcar o Neymar e outros times já copiam a fórmula, que na verdade é bastante simples e manjada: limitar o espaço para o atacante carregar a bola. Sendo assim, não adianta o jovem craque querer partir pra cima dos marcadores a todo momento, achando que conseguirá fazer grande coisa, que é indestrutível: é preciso tocar e trabalhar a bola, envolver o time adversário, forçar o erro, driblar no momento certo, com segurança, com outros companheiros por perto para que a segunda bola seja nossa.
Falo obviedade e certamente há muita bobagem tática em minhas palavras. Mas estou certo de que a falta de atitude e de um lateral-direito de verdade não são fatos vistos apenas por profissionais do futebol. Cada pé santista precisa entrar firme nas divididas, o time precisa correr com disposição, não pode desistir, não pode ficar esperando o adversário deixar jogar. Em semifinal de Libertadores, o tempo das goleadas é passado.
Jogar no Santos é um privilégio. Disputar a vaga para a final da Libertadores contra o nosso maior adversário, que nunca venceu este campeonato, é coisa muito séria. Nesse caso, um fracasso, não porque o outro time jogou melhor, mas por causa do salto alto, da empáfia, da indiferença, do desinteresse genuíno pelo jogo, pode manchar as conquistas que este grupo já alcançou.
E, se for para perder, que seja do jeito correto. Não aprendemos a lidar bem com a derrota apenas quando reconhecemos a superioridade do adversário, mas quando damos trabalho ao oponente, quando colocamos nosso desejo, nossa vontade diante dos nossos olhos, ou, no caso, das chuteiras, e vamos com toda força que a situação nos cobra. Com lealdade, com dignidade, mas com os olhos brilhando só de imaginar mais uma vitória. Só sabe perder quem luta até o final pela vitória.
Nós, os torcedores, merecemos essa entrega, merecemos seriedade tática, merecemos vontade de vencer. A mim chamou a atenção o fato de ver muitos torcedores envergando camisas do Santos no dia seguinte ao jogo. Havia mais corintianos que santistas orgulhosos pelas ruas de São Paulo. E o time, na bola, jogador por jogador, consegue, não sem esforço, mas consegue, fazer dois ou três golzinhos no Corinthians. Todos nós, inclusive o alvinegro paulista, sabemos disso – o problema, é que eles não temem mais o Glorioso Alvinegro praiano.
Um pedido aos jogadores do meu time: levem a sério o canto que vem das arquibancadas: “Vai pra cima deles Santos!/Vai com determinação/Tu, que és o glorioso!”
Tu que és o glorioso, Santos.

segunda-feira, junho 11, 2012

A “caetanização” de Wagner Moura



Antes de mais nada, preciso dizer que este foi um dos textos mais difíceis que já escrevi. A necessidade de falar sobre algo era intensa, mas a organização das palavras era incerta, confusa. Talvez melhor fosse me calar , o assunto já está esfriando, mesmo. Não consegui.
Começo dizendo que achei o show da Legião Urbana – ou do que restou dela – com a participação de Wagner Moura, muito legal, juro. Emocionante, inesquecível. Quando a banda ainda existia de verdade, eles não costumavam fazer muitas apresentações Quando Renato Russo morreu, os outros integrantes sabiamente enfiaram viola e baqueta no saco, indo cada um viver sua vida, sem querer viver de um passado glorioso. Foram dignos.
Aí veio esse tributo com Wagner Moura. Confesso que achei a coisa esdrúxula. Mas o ator não subiu ao palco no posto de celebridade descascada: era um fã a ponto de explodir de felicidade por ter o privilégio de tocar com seus ídolos. O cara estava lá nos representando, a nós que gostaríamos de estar no palco com a Legião Urbana, mesmo sem haver motivo algum para que essa Jam acontecesse. Sem pose, sem máscara, sem estar preocupado em fazer bonito, apenas curtindo, deixando clara sua admiração e respeito, Wagner Moura também foi digno.
Sei que muita gente detesta Legião e que se Renato Russo ressuscitasse, o show também seria algo ridículo e desnecessário. Eu sou fã desde as primeiras horas e reconheço que muitas canções da banda me embalaram a vida, me fizeram suportar a adolescência espinhosa, o mundo violento e frio, mas cheio de virtudes, os amores que dilaceravam saborosamente. É que antigamente a adolescência era uma coisa difícil, esquiva, úmida, gordurosa, e não a caixa de lápis de cor saltitantes dos dias atuais, tampouco um eterno chororô sem sentido; lembrando um verso de Renato Russo, a lágrima era verdadeira.
Sei que a obra da Legião Urbana, como aliás, acontece com praticamente todos os poetas geniais, é irregular. Mas com Andrea Dória (nada mais vai me ferir/que eu já me acostumei/com a estrada errada que eu segui), Índios (uma das primeiras canções que me fez pensar, e não apenas repetir um refrão), Geração Coca-Cola (vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês!), ou como Sereníssima, 1965 (duas tribos) entre muitas outras, os caras entraram pra nossa história cultural, gostem ou não. O lastro dessa obra permite escorregões sentimentosas como É preciso amar (Áár) as pessoas como se não houvesse amanhã. A quantidade de pequenas genialidades, de poéticas verdades, como Perfeição, ou na brilhante – isso mesmo, brilhante! – junção do soneto camoniano com os versículos bíblicos de Monte Castelo exige: e respeite quem soube chegar aonde eles chegaram.
Ninguém, ao comentar o show-tributo, deve falar em desafinações, pois aquilo era rock: nesse campo, quando tudo dá certo, a performance vale bem menos do que a atmosfera alcançada, as verdades cantadas, embora não seja pecado acertar o tom. Então, por que chamaram o Wagner Moura?
Sim, o cara é um fã honesto, e chamá-lo evitou ciumeiras, ou um desfile de gente afetadinha falando que era fã do Renato, que era amigo do Renato etc. Será que foi apenas por isso?
Um dos motivos, talvez o mais relevante, creio que foi pegar emprestada a credibilidade do ator. Tudo que é feito por Wagner Moura vira notícia, ganha etiqueta de grife. A Legião Urbana já é uma grife, mas um show a essa altura  do campeonato resvala na bizarrice, por ais direito que Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos tenham o direito de falar em nome da banda, eles são a banda, ou boa parte dela. O ator mais badalado do momento foi um ótimo chamariz – eles precisavam de chamariz? – foi um fato novo, colocou um fã legítimo no palco, dividiu aquele privilégio entre todos nós, mas a coisa toda continuou muito esquisita, para alguns - não para mim, ressalto - foi quase uma autoprofanação por parte da Legião.
A presença de Wagner Moura no show da Legião Urbana confirma duas coisas: a primeira, que o forte da cultura brasileira atualmente não está na música – ou um cantor jovem e respeitado poderia fazer a presença no palco. Talvez Cassia Eller, mas ela já partiu há dez anos. Preferiram um ator a um “cantor de ofício”, inverteram as posições, como vemos de vez em quando no futebol.
A outra certeza que o show nos deus – ao que consta, Wagner Moura sequer era amigo de Bonfá e Dado – é que o ator é o Caetano Veloso da atualidade. É o grande referencial cultural, o homem cujas opiniões e passos são sempre relevantes.
Caetano Veloso é um dos maiores compositores, um dos maiores artistas da história do Brasil. Wagner Moura caminha para ser um dos maiores, talvez o maior ator brasileiro. Se ambos usassem todo prestígio conquistado legitimamente em coisas mais relevantes, e não se vissem envolvidos em situações polêmicas...

quinta-feira, junho 07, 2012

Entre a homenagem e a falcatrua



Todo artista começa sua trajetória após ser alcançado por outro artista que o antecedeu; ninguém parte do zero.
O artista que chega causando espécie e impressionando pela originalidade, normalmente, experimentou, trabalhou muito antes de “surgir”. Isso quando não foi moldado em escritórios e estúdios para atender a uma demanda de mercado, mas nesses casos trata-se de algo entre uma enganação ou um exagero midiático. Às vezes, o artista tem um talento instintivo, mas aí trata-se de um caso raro; quem chega ao inferno, quase sempre é conduzido pela mão de algum Virgílio, algum Dante, levando consigo toda esperança.
A personalidade artística autêntica não é forjada em duas ou três pinceladas, em dois acordes, em meia dúzia de estrofes. Ela vai sendo montada a cada tentativa, a cada esbarrão, a cada improviso, a cada derrapada, a cada cálculo, a cada achado. De vez em quando, um artista chega à conclusão de que já atingiu seu ápice, ou que, tristeza, perdeu a vontade criativa, o talento. Alguns, quando chegam nesse estágio, são honestos o suficiente para colocar um ponto final em sua obra; outros se cristalizam, repetem fórmulas, não por ainda acreditarem nelas, não por uma obsessão pessoal, mas para não perder a boquinha. Ou ainda, o que pode ser bem menos louvável, buscam repetir, copiar, macaquear ondas que estão em maior evidência. Raramente o resultado fica além do constrangedor.
Os primeiros poemas, as primeiras músicas criadas pela humanidade foram meras imitações de ritmos da natureza, do ruído desagradável das ferramentas rústicas de trabalho; a originalidade mora na filosofia de misturar, embaralhar ou de se opor ao que já existe. De qualquer jeito, sempre há a presença de um outro, e isso desde o início.
Quem é imitado precisa lidar com dois sentimentos bem distintos: o primeiro, é a vaidade que qualquer tipo de admiração gera; o segundo é o desgosto de perceber que alguém tenta embarcar em seu talento, falsificar sua assinatura. A cópia também pode significar menos negócios, por haver um genérico mais em conta no mercado. Entre a vaidade de ser imitado e a irritação de deparar com uma concorrência desleal, cabe a quem é copiado se lembrar que também já imitou alguém em algum momento e ter paciência quando o “fã” não é desonesto. Afinal de contas, todos nós lidamos com a “angústia da influência”.
Como exemplo cito três escritores que são verdadeiras matrizes geradoras, todos, coincidentemente, mineiros. O primeiro é o poeta Carlos Drummond de Andrade. Sua obra foi tão marcante entre nós, que verdadeiras legiões de poetas bebem gulosamente seus versos, querem ser como ele. Creio que pouquíssimos imitadores de Drummond conseguiram chegar a algum lugar de destaque. E isso justamente porque queriam ser como ele, não problematizavam a admiração, não saíram daquela fase juvenil em que os amantes da poesia copiam poemas em cadernos escolares ou nas redes sociais: não deixaram de fazer decalques.
Outro autor-matriz é Guimarães Rosa. Depois de sua prosa inventiva, parabólica, de palavras “quase inventadas”, vários escritores quiseram fazer coisa semelhante. Muitos deles, talentosos ou não, em sua ânsia inventiva, não foram muito além da soldagem de palavras, ou da troca meio sem critério de prefixos e sufixos, não raro para esconder a fraqueza de suas narrativas.
O terceiro mineiro é Rubem Fonseca. Sua prosa urbana, seca, entre policial e cômica, muitas vezes com personagens deslocadas, pobres, “estranhas criaturas”, teve um efeito bem arrasador entre os escritores. Muita gente boa bate continência ao Zé Rubem, muita gente começou a escrever sobre travestis, traficantes, policiais e prostitutas, almejando ser como o mestre. Mas muita gente perdida pensou trilhar os passos do autor de Agosto e não coisa que prestasse. Usar palavrão, por exemplo, passou a ser o “recurso estilístico” mais desgastado entre nós.
Ser imitado, como já disse, não deixa de ser uma honra. É sinal, sim, de reconhecimento. Agora, quando surge um artista que consegue imitar sua influência à perfeição, deve soar a sirene de alerta. Djavan, por exemplo, artista bastante original (que bebeu em fontes de sambistas, da bossa nova, do jazz e de Luiz Gonzaga) de vez em quando é decalcado por alguém, mas até hoje ninguém chegou muito perto de seu talento, tanto que os adeptos do transfer ou desaparecem ou viram outra coisa, muitas vezes bem diferente. As letras originais de Djavan, que se casam com a melodia e criam significados, quando imitadas, não passam de garatujas. Roberto Carlos foi imitado por exércitos de cantores, alguns com relativo sucesso, mas que hoje em dia estão restritos a algumas casas de lazer com luzes vermelhas nas portas. Renato Russo e sua banda foi imitado, mas ninguém atualmente é sequer lembrado (“missionários de um mundo pagão”).
Ana Carolina, Cassia Eller e Zélia Duncan são bastante imitadas, mas é fácil perceber a diferença entre elas – independente de gostarmos do conjunto de suas obras – e as tolinhas que entoam com vozes graves seus cantos cafonas.
Ano passado, havia uma canção bastante presente no rádio que lembrava em tudo, arranjo, melodia, letra e principalmente timbre da voz, uma famosa cantora brasileira. Fiquei na dúvida: será que é aquela, que já há algum tempo não lança disco? Resolveu aparecer? Como sou fã dessa cantora, fiquei na expectativa.
Quando descobri que aquela canção era de uma outra cantora ainda não famosa, fui atrás de alguma coisa na internet. As outras canções que achei da moça em nada se pareciam com a cópia que ela, seus produtores, empresários e sei lá mais quem, resolveram fazer da cantora famosa.
Fiquei com a impressão de que a moça era uma picareta. Porém, também fiquei com uma indagação: se ela conseguiu imitar a original ao ponto de deixar um fã em dúvida, é porque a fórmula já estava bem manjada. Era hora de mudar, afinal, artista que é imitado à perfeição não apenas caiu no gosto popular: ficou previsível, óbvio, deixou de arriscar.
E não é que veio o disco novo da cantora imitada e as canções são exatamente iguais as que ouvimos em outros carnavais? Nesse caso, a impostora picareta que tenta passar por outra cantora não é a única farsante...

quinta-feira, maio 24, 2012

Recado para o Paulo Henrique Ganso


Ano passado, eu pensava semanalmente em escrever uma crônica sobre as noites de futebol na semana. Ela se chamaria O Jejum na Quarta-feira Santa e teria como personagem principal o Paulo Henrique Ganso. Como eu estava com um medo danado de ser eliminado da Libertadores, sempre ia adiando o texto, que versaria sobre o talento indiscutível do meia que é herdeiro direto de Giovanni e Pita – o primeiro pela indicação, o segundo pelas semelhanças de estilo e pela mística da sagrada camisa 10 do Santos.
Os jogos sucederam-se muitos sem a presença de Ganso, contundido. Mas, eu sei bem, quando chegava, o jogador aparecia, era quase sempre para brilhar. Chegamos a final, vencemos, o time entrou para a história e a crônica não saiu. Logo após o título minha casa foi assaltada, fraturei o pé e o texto perdeu a razão de ser.
Este ano estamos novamente na Libertadores. As noites de futebol, quartas ou quintas, ainda são, para santistas, para admiradores do futebol elegante, para torcedores de outros times que passaram a ter o Santos como o time a ser secado e catiçado, de jejum. Para eles e para suas esposas, namoradas, noivas, amantes, ficantes. Quando o glorioso entra em campo, tudo, até o amor, pode esperar.
Será assim hoje. Temos Neymar, o craque que tem monopolizado as atenções. Temos muitos jogadores confiáveis, alguns que nos pregam peças, mas temos Paulo Henrique Ganso, que amanhã passará por nova cirurgia. Hoje o jogo precisa ser dele.
Quero crer que o fato de Ganso entrar em campo um dia antes de passar por cirurgia não será uma irresponsabilidade. Quero crer que os adversários não serão desleais, como não foram lá – mesmo com as embananadas do juiz – assim como o Santos foi leal na Argentina. E sei que o nosso camisa 10 tem todas as condições para brilhar hoje e marcar mais uma estrelinha em seu caderninho de feitos históricos. Hoje não será apenas o jogo da habilidade, pois a marcação será tão ou mais forte do que foi no jogo de ida hoje será o jogo do craque, do cerebral, do craque que dará passes precisos e colocará a bola no lugar certo, seja na cabeça do atacante, seja no ângulo do adversário.
Enquanto estiver em campo, Ganso, saiba que alguns milhões de pessoas, religiosamente, estarão em pleno jejum, ao lado ou separados de suas esposas – na verdade hoje é o dia da bola nas costas também, portanto, mantenha sua amada ao alcance dos olhos! – todos nós estaremos a espera de um artista a esculpir sua obra diante dos nossos olhos. Hoje é o seu dia, Paulo Henrique Ganso. Contamos todos com você.

quarta-feira, maio 16, 2012

De Jesus a Hitler, passando por Stálin (ou Lênin, ou Trotsky, ou Marx...)


Recentemente, vi no facebook um cartaz que comparava – ou melhor, jogava no mesmo saco de farinha – nazistas e comunistas. O ponto de partida para essa relação eram os símbolos de cada movimento ideológico – a suástica de um lado, a foice o martelo de outro – e o de chegada eram os milhões de mortes atribuídas a cada uma dessas ideologias.
O responsável pelo cartaz era tão pueril quanto mal informado, e certamente mal-intencionado. A quantidade de mortes atribuídas aos nazistas era bem menor do que eles divulgavam – o cartaz levava em conta “apenas” as mortes de judeus, o que já é algo gigantesco, horrendo, trágico. Mas os nazistas mataram, direta ou indiretamente, muito mais gente; na verdade, todas as mortes da Segunda Guerra Mundial podem ser colocada na conta de Hitler e de seus liderados.
A ideia do autor do cartaz era acusar os comunistas e de pedir que eles fossem tratados do mesmo modo que os nazistas: como criminosos, inimigos da humanidade, irracionais, seres monstruosos e enganadores. Não é segredo para ninguém que entre os judeus há sim muita gente tão nazista quanto os que lutavam pela implantação do Terceiro Reich. Mas comunismo é a mesma coisa que nazismo?
Há um terceiro símbolo que pode entrar nesta discussão: a cruz. Ela também pode ser associada a genocídios, manipulação, opressão etc. Em um certo sentido, a cruz, de um lado, e a foice e o martelo, de outro, sofreram adulterações nas mensagens que representam. Cruz, foice e martelo são símbolos com a mesma carga destrutiva que a suástica? Há quem acredite piamente que sim, há quem isole um dos termos e ataque os outros, de acordo com a própria conveniência.
Começando pela suástica: ela não é uma invenção dos nazistas. Uma busca preguiçosa na Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Su%C3%A1stica já é suficiente para sabermos que ela é algo mais antigo e mais amplo. Contudo, não sejamos hipócritas ou falsamente intelectuais, é do conhecimento de todos que após a Segunda Guerra a suástica, especialmente o modelo defraudado pelos nazistas, está associado a grupos racistas e violentos, que desejam, por meio da brutalidade, se colocar em uma posição superior, no direito mesmo de exterminar os diferentes.
Dizendo de modo ainda mais claro: a essência do nazismo está no fato de alguns grupos se considerarem etnicamente – o que também caberia dizer “divinamente” – superiores aos demais, a ponto de poderem dispor das vidas consideradas inferiores como bem entenderem, especialmente com tortura, escravidão e aniquilamento.
Á a foice e o martelo – outra busca preguiçosa é suficiente para confirmar http://pt.wikipedia.org/wiki/Foice_e_martelo  – representa a união dos trabalhadores do campo e da indústria. A ideia, em sua essência, não tem nada de negativa; na verdade, trata-se de um desejo bastante nobre. Se houve ou há um grupo de socialistas, ou comunistas, com o mesmo espírito de ódio dos nazistas, ou se usaram essa bandeira para encobrir um bilioso desejo de aniquilar o diferente, a conversa é outra.
A cruz – mais uma vez cedemos à preguiça http://pt.wikipedia.org/wiki/Cruz – é um símbolo muito representativo para os cristãos. Instrumento de morte humilhante durante o Império Romano, tornou-se o símbolo da morte e ressurreição de Cristo. O que antes estava associado direta e inseparavelmente à morte, para os cristãos, tornou-se símbolo de graça e misericórdia, de esperança. Os genocídios, as cruzadas, a Inquisição, a Contrarreforma, nada disso está no plano inicial do cristianismo. Mais uma vez um símbolo e uma ideologia, no caso pelo viés da religião, foram distorcidos para justificar a ebulição de alguns demônios particulares.
Então, se a suástica, a foice e o martelo e a cruz não simbolizam ideias que foram usadas como desculpa para que fome, sofrimento, escravidão, tortura, humilhação, e mortes, muitas mortes se espalhassem pela terra, nos parece claro que somente no caso do nazismo tudo isso era uma meta desde o princípio. Não é justo atribuir a todo comunista o título de desumano, violento, “nazista vermelho” ou coisa do tipo. Stálin fez o que fez na União Soviética não por causa de uma ideologia, mas por uma sede enorme de poder, por uma visão distorcida de si mesmo. Todas as atrocidades cometidas por cristãos nas Américas, quando o genocídio era a política diplomática dos primeiros invasores, e no resto do mundo não fazem parte dos princípios pregados por Jesus – e todo mundo sabe disso; o problema é que alguns preferem espertamente escamotear esse fato.
Entre comunistas e cristãos há um enorme contingente de pessoas ingênuas, pouco informadas e facilmente manipuláveis, que acabam trabalhando por propósitos escusos. Entre os nazistas, também. Entre cristãos e comunistas, há muitos canalhas que manipulam a essência desses movimentos para enriquecerem ilicitamente e para colocarem em prática o que há de mais podre dentro deles. No nazismo, aí está a diferença, os princípios não precisam ser manipulados para que o ódio grasse. Na verdade, o ódio é a essência do nazismo, e é justamente ele quem precisa ser camuflado em forma de “justiça” e de “mérito”.
Sou cristão e me considero socialista – naquele sentido de que todos somos iguais e devemos ter os mesmos direitos e oportunidades. Não faço coro de pessoas como o apostolão Santiago, Silas Malafaia, a família Renascer, e nem de cidadãos como o Ricardo Gondim – este não é um picareta, mas creio em um cristianismo diferente do dele. Não fui feito da mesma mandioca de Torquemada, por exemplo. Não aprovo a falta de democracia em Cuba ou na China, onde dos antigos e ditatoriais regimes comunistas, parece, só sobrou a perseguição implacável. Creio que, se a religião, como as novelas, os realities shows e o futebol pode ser mesmo o ópio do povo – vide alguns opiários citados acima – no meu caso a religião, aquela pregada por Jesus, me abriu as portas para um novo jeito de viver e de perceber. Por isso, não me envergonho da cruz, e não deixo de ver a beleza na foice e no martelo – ainda que os símbolos estejam meio anacrônicos e que muitos líderes os tenham deturpado. E é por isso tudo que senti aguda necessidade de manifestar meu repúdio à comparação esdrúxula que fizeram entre comunismo, uma ideologia sujeita no tempo a desgastes e pilantragens, e nazismo, um dos maiores tumores que a sociedade já foi capaz de produzir.

segunda-feira, maio 14, 2012

Os profetas: de Emicida a Isaías


Tenho uma trava quando escrevo. Sempre penso em parentes e parceiros de fé que abominam palavrões e assuntos mais picantes, violentos etc. Bobagem minha. Há coisas mais relevantes acontecendo no mundo, há urgências enfurecidas, há desesperos legítimos que não podem ser sufocados por regras de etiqueta ou pelo uso de uma ou outra palavra mais dura ou chula.
Emicida foi preso em Belo Horizonte ontem à noite, justamente no dia 13 de maio. A data e o motivo da prisão são tão violentamente simbólicos que não podem passar desapercebidos. O cantor e compositor foi detido por cantar uma de suas músicas, Dedo na ferida. Parece que a ferida ainda sangra e está bastante sensível.
Emicida volta a sua ira para as leis que servem aos ricos em detrimento dos pobres indefesos. “Pobres indefesos”, eu sei, é um clichê de pouca reverberação atualmente, mas quem não tem onde morar, é esquecido pelo governo e constrói sua casa em um terreno sem utilidade, de propriedade de um famoso e milionário especulador, desses que despreza a lei, pode ser muitas outras coisas, mas não deixa de ser pobre e indefeso. Sim, falamos da selvageria ocorrida no Pinheirinho. Emicida também fala em Dedo na ferida do ocorrido na cracolândia e em muitos outros lugares onde a violência é colocada na frente da humanidade, aparentemente para que a lei seja cumprida.
Acontece que as leis deveriam estar a favor da justiça, o que não acontece com a regularidade esperada. As leis deveriam estar atreladas ao bom-senso e não poderiam, em hipótese alguma, serem usadas como pretexto para proteger os afortunados. E a polícia não deveria ser confundida com agentes particulares de criminosos de colarinho branco.
É daí que vem a ira de Emicida. É daí que brotam as palavras rosnadas em Dedo na ferida. Nela, o raper nos lembra que um dos bairros mais nobres da Grande São Paulo, Alphaville, surgiu a partir de uma invasão. Invasão para que mansões fossem construídas. Fato que me lembra que em um bairro que eu conheço, muitas ruas não eram asfaltadas – ruas com mansões, vale ressaltar, transversais às avenidas, estas sim, pavimentadas – apenas para que seus moradores abastados – bairro erguido em área de mananciais, de forma bastante irregular – não pagassem IPTU elevado. Gente nojenta, essa.
A alegação da polícia para deter Emicida foi a de que ele teria incitado o público de um show à violência, levantando o dedo do meio, aquele mesmo que pode levar sua mãe a estapeá-lo caso você o mostre a alguém, para a polícia. Isso foi considerado desacato. Eu não estava no show, não vi imagens e não posso afirmar que o cantor não tivesse se excedido. Contudo, é fato escancarado que a polícia se excedeu na desocupação do Pinheirinho, que a polícia nunca foi enviada para desocupar terrenos ocupados por mansões. Até aí, apenas o silêncio indiferente de boa parte da população para Pinheirinho, Cracolância, assim como para a chacina de Eldorado dos Carajás, e para as carnificinas promovidas por policiais pelas favelas e campos Brasil adentro.
Comecei o texto falando do meu receio em usar palavrões em meus textos. Isso se deve em parte pela minha vontade de não usar este recurso tão exageradamente desperdiçado por tantos escritores da atualidade, mas também ao receio de me ver dando muita explicação aos meus parceiros de fé, os protestantes evangélicos. No entanto, boa parte desses meus parceiros andam muito mais preocupados em engrossar correntes homofóbicas, muitas vezes sendo mera massa de manobra nas mãos de pastores raivosos, como Silas Malafaia, sem se dar conta de que o confronto com os gays tem sido travado de modo nada cristão, com mal disfarçadas incitações à violência e com uma intromissão na vida privada das pessoas que não encontra eco nas pregações de Jesus Cristo.
Esses meus irmãos, infelizmente, não se dão conta de que é necessário olhar e defender os desabrigados escorraçados de Pinheirinho, os viciados sem pente nem dente da Cracolância (felizmente, neste caso posso afirmar que a Primeira Igreja Batista de São Paulo não ignorou as vítimas das drogas que perambulam pelo centro da cidade), e acham que o diabo mora exclusivamente no meio dos homossexuais. O diabo, meus irmãos, também está no meio da igreja, habita em nosso descaso, nas inversões de prioridades, nos púlpitos parciais, entre os políticos corruptos, muitos dos quais nossos “irmãos”, e em todo tipo de injustiça.
Pensando nisso, a minha vontade é de gritar bem alto os mesmos palavrões que o Emicida vocifera em Dedo na ferida. Acho, exagerando nas tintas, que os palavrões do Emicida são o correspondente atual da nudez do profeta Isaías lá nos tempos veterotestamentários.

sexta-feira, maio 11, 2012

O futebol é dinâmico (8 vezes)


O futebol é dinâmico (8 vezes)
O futebol é dinâmico e um texto sobre uma partida antológica pode ficar obsoleto já na rodada seguinte.
O futebol é injusto e, dizem, é o único esporte em que um time pode ser superior ao adversário ao longo de uma partida e sair derrotado. A vida também é injusta, mas, muitas vezes, menos apaixonante que o futebol.
Os intelectuais (ouvi de Pepetela) afirmam que o futebol é o acontecimento social total (ou algo assim), e que a partir dele podemos avaliar uma sociedade com precisão.
O futebol é justo e a bola pune, já dizia um técnico com fama de mal-humorado que coleciona títulos, quebra escritas e dirige o maior time da Terra. É a justiça alcançada pelo mérito, mas também é o reino do imponderável.
O futebol é podre e as inúmeras negociatas, orgias e traições envergonham a todos que, sabendo de seu poder alienante, ainda se dão ao trabalho de escrever sobre ele, e não sobre a fome, a peste, a cachoeira ou a mídia vendida.
O futebol encanta ao ponto de parar guerras, de gerar paixões e arrebatamentos, de nos deixar a todos em estado de graça ao ver uma exibição de gala.
O futebol são oito golaços no fundo da rede do Bolívar, com direito a letra e a troca de passes entre gênios. É 3x0 aos 30, 5x0 ao final do primeiro tempo. É classe e garra. É nobre. É glorioso. O futebol é o peixe.

quarta-feira, maio 02, 2012

Teatro presta?

Teatro é uma das três artes mais defendidas e contestadas ao mesmo tempo que eu conheço. As outras duas são a literatura – fundamental ou ultrapassada? – e o Neymar, que já virou uma arte autônoma (mas não é bem contestado: ele suscita a inveja entre os que não torcem para o glorioso). Recentemente, li no blog da Raquel Cozer (segue link completo aqui) que o teatro recebeu um singelo pedido de suicídio por parte de um cara importante lá da Colômbia. Semanas depois, revisei um livro sobre ensino de teatro nas séries iniciais do Fundamental I. Senti comichões de escrever sobre o assunto. Começo confessando: não vi muitas peças ao longo da minha vida. Os teatros eram longe e caros. Nenhuma política de formação de público teatral me alcançou. Alguém dirá que há peças gratuitas e que os CEUS espalhados pela periferia oferecem, vez ou outra, espetáculos teatrais. Ano passado, assisti a uma exibição teatral gratuita em um CEU aqui perto de casa. A montagem foi feita graças a uma edital de fomento ao teatro popular. Antes tivesse ido a uma missa do padre Marcelo, eu, protestante que não simpatiza com movimentos carismáticos. Não direi que o dinheiro foi jogado fora; financiar peça ruim sempre é melhor que deixar a grana escorrer pelas cachoeiras da corrupção. Mas se o meu referencial de teatro fosse apenas aquele – como, aliás, era o caso de muitos da plateia – o teatro teria morrido para mim exatamente ali. Na verdade, o teatro tem vantagens que outras artes não possuem. Para começar, é algo construído sempre coletivamente. A literatura, mesmo com seus saraus, sempre exigirá, em algum momento, o ato solitário da leitura – na verdade, ato falsamente solitário, mas outro dia falo sobre isso –; a música pode ser curtida entre nós e os fones de ouvido, apenas. O teatro só é teatro quando os artistas estão cara a cara com a plateia. O palco e a cochia são espaços em que diferentes talentos podem se combinar. O texto, o cenário, o figurino, a iluminação e a interpretação são a soma de esforços, de artes distintas. Outra vez o coletivo se fazendo necessário. Uma encenação, para ser boa, não precisa ser cara. Podemos dispensar até o cenário e o figurino, na verdade. Uma banda precisa de amplificadores, de instrumentos que não são necessariamente baratos; o cinema precisa de equipamentos, ainda que, verdade seja dita, vão surgindo ferramentas cada vez mais baratas, mas sempre necessárias. Também é verdade que a arte da representação é a arte do fazer; a música pode, muitas vezes, ser apenas a arte do sentir, e a literatura a arte do refletir. Sentir e refletir são essenciais para o ser humano; sentir e refletir fazem parte da experiência com o teatro. Música e literatura também podem nos lançar para a tomada de atitudes; contudo, o teatro sempre será algo prático, os atores sempre estão executando alguma coisa diante de ossos olhos – e o exemplo é o maior do incentivos para qualquer coisa prática. Mas o teatro, quando não é autêntico, é a mais desprezível das artes. Podemos pensar na enxurrada de musicais que atualmente nos sufocam. Não há nada de errado em musicais, tirando o fato de que os atuais são caros caça-níqueis com apenas duas funções: a primeira, legítima, é a de entreter; a segunda, a de fazer uma determinada camada da sociedade lambuzar-se com um aguado verniz cultural. O teatro também não é autêntico quando vira um fim em si mesmo, ou, melhor dizendo, quando a sua única função é não deixar de existir, é manter o emprego, ou o subemprego, de atores, iluminadores etc. É quando vemos as caças aos editais para que peças vazias sejam montadas. É quando o público deixa de ser importante. É quando o dinheiro público que patrocina montagens esdrúxulas deixa de ser usado para formação de público. É quando companhias de quinta categoria fazem montagens acéfalas e sem arte de “adaptações” de livros constantes em listas de vestibular – há exceções; vi uma montagem sobre poemas de Drummond que era algo de especial; em compensação, outra sobre Memórias de um Sargento de Milícias não passou de um engodo em uma sala empoeirada e prestou dois desserviços: um à literatura e outro ao próprio teatro. O teatro não deve morrer, embora alguns de seus profissionais tentem desligar seus aparelhos. E não morrerá na medida em que haja pessoas e políticas interessadas na formação de público e na construção de uma arte útil e necessária, em vez de buscarem exclusivamente o seu quinhão. É claro que o dinheiro precisa circular dos dois lados das cortinas, mas as pessoas também precisam ser atraídas, precisam conhecer o que é, de fato, o teatro – certamente algo que vai além das comédias fáceis, dos stand ups xucros e dos musicais luxuentos. Teatro nas escolas, nas praças e, por que não?, nos teatros. Pessoas nos teatros. Dramaturgia nos teatros. Arte nos teatros. Teatro como veículo de formação artística e cidadã. Aí, sim, algo valerá a pena, apesar de tantas almas pequenas.aqui

quarta-feira, abril 25, 2012

Por que não tive sogra

Durante oito anos – quase exatos – minha sogra não seguiu os estereótipos comuns ao cargo/parentesco. Nem ciúme nem chatice, nem metidas de nariz em locais privados. O sorriso fácil e para ela, os problemas podiam esperar ou nem eram tão graves assim. como bônus, o afeto pelos animais. As falas, de uma franqueza assustadora, surpreendiam e levavam facilmente ao riso diante do inusitado. Com ela, a vergonha nunca cruza a fronteira do desagradável. No dia 30 de março a minha sogra me atrapalhou pela primeira vez. Eu me preparava para concorrer a uma vaga no mestrado e ela, com um capricho inusitado quase estragou tudo. Justo em um momento como esse, daqueles inadiáveis, a sogra quer cumprir seu papel de estraga-prazeres? Por que ela não permaneceu como sempre fazia, me dando razão, me defendendo das gangorras hormonais da minha esposa, achando tudo engraçado, oferecendo conselhos desconcertantes, nos deixando rubros de uma vergonha divertida? A partir daquele dia ela, e tudo ao redor, mudou. Nunca mais a vi sorrindo, nem sussurrando, nem brincando com os animais. Como foi algo inusitado e muito diferente de seu hábito, fiquei, a cada dia, aguardando que ela voltasse ao “normal”, risse das graças de suas filhas e netas, trocasse as coisas de lugar. Aguardei para breve que voltássemos, eu e ela, a trocar olhares cúmplices e marotos quando irritávamos o nosso elo, minha esposa. Alguém precisava fazer alguma coisa, aquela mulher precisava voltar ao que era, abrir os olhos para nós, sorrir, cantarolar. Mas nada a deixava animada. Nós só não a abandonamos porque a “dona veia” tinha crédito, era amada por muita gente, e já passara por duas crises idênticas cerca de trinta anos antes, e tudo voltara ao normal. As acontece que o aneurisma dessa vez veio com tudo, violento, desagradável, angustiante, moendo qualquer alegria que estivesse por perto. Em tudo contrário ao que, ao menos nos últimos oito anos, sempre foi a minha sogra, que, por sua vez, sempre agiu de um modo muito distante do que a gente se acostumou a esperar de uma sogra. Em poucas horas saímos da preocupação para o desespero; em quase vinte dias alternamos fé e dor, até que ela decidiu nos deixar. Mas nos parece que isso só aconteceu quando finalmente nos conformamos. Nem na hora de morrer ela soube ser uma sogra tradicional, inconveniente; suportou a sobrevida até que aceitássemos sua morte. Mas era a minha sogra, a que me fazia sentir um pouco especial, diferente mesmo, por não poder reclamar da mãe da minha esposa para os amigos. Até cheguei a ensaiar uma história bem desagradável sobre ela, a mulher não gostava de futebol, vivia solicitando a presença da filha em toda e qualquer situação, reclamava do meu salário, da minha profissão pouco rentável, me achava antipático, qualquer coisa que pudesse render ao menos uma crônica pouco inspirada. Mas eram mentiras tão discrepantes que ninguém que a conhecesse me lavava a sério. O único defeito da veia, que aliás foi transmitido à sua descendência, era o Corinthians. Infelizmente, devo dizer que a única coisa chata e desagradável, bem digna de sogra que a Eva Generosa fez foi morrer prematuramente e lançar sobre mim uma dor tripla: a de ver a minha família sofrendo, de segurar as pontas enquanto a pessoa que eu mais amo sentia a pior das dores – a da despedida da mãe – e encontrar na minha própria alma um vazio do tamanho das risadas que demos juntos. O que ficou de consolo? A minha esposa, cuja gargalhada a cada dia se parece mais com a da mãe e a esperança de ouvir o riso original algum dia, em algum lugar especial preparado por Deus – que nós acreditamos em Deus e em sua misericdórdia.

sexta-feira, abril 13, 2012

A bênção de ser santista

Nascer, viver e no Santos morrer
É um orgulho que nem todos podem ter


Não sou de Santos, não moro lá não pretendo findar os meus dias naquela cidade. Mesmo assim, as vibrações futebolísticas que vêm de lá me arrebatam como nenhum outro lugar do mundo pode fazer.
Ninguém saberá explicar o que que a Vila tem. Pelé, Clodoaldo, Canhoteiro. Gilmar, Mauro, Juari, Pita. Chulapa, Dema, Edu, Coutinho. Passei a infância e a adolescência toda ouvindo provocações contra o meu time, coisa do passado, velharia, diziam. Mas nenhum time tem passado semelhante.
De fato, nos meus verdes anos, não era olhando para o campo que encontraria motivos para torcer pelo time da Vila. Trata-se de herança paterna, de memória afetiva e coletiva, pois meu pai, tios e primos mais velhos viram Pelé e seu regimento conquistar espaços, títulos e mística em uma época que o marketing contava bem menos que a habilidade. Eu, enquanto via Rodolfo Rodrigues precisar trabalhar triplicado para compensar a inópia dos jogadores de linha, me alimentava de alguma esperança de que, no futuro breve, alguma fagulha do passado resplandeceria nos gramados.
Aí apareceu Giovanni, que a história cruelmente – a história e um juiz de honra duvidosa – não deixaram vencer um campeonato brasileiro. Giovanni era gênio e deu aos santistas, que já andavam cabisbaixos há anos, uma vaidade bem explicável. Ainda éramos torcedores de um time mágico, casa de bambas, súditos felizes do único rei do futebol. Não, a nossa hora não chegaria, pois o Santos já havia se tornado atemporal. Apenas voltaríamos, em breve, ao nosso lugar de direito: o topo do futebol brasileiro. Mas não havia títulos.
Então Diego, Robinho, Elano, Renato, Léo. Então vitórias, títulos, arte. Voltamos de vez.
E agora, como não bastasse, Neymar, Ganso, Arouca – Wesley e André, que passaram rapidinho por aqui, onde tiveram seus melhores momentos – títulos, a reconquista da América.
Agora, todos sabem por que somos santistas. Não é apenas pelo passado de glórias. Não é imposição ou persuasão paterna. Não é apreço pelo sofrimento, queda pelo mais fraco, tendência arqueológica. Somos os privilegiados, os eleitos para nos deliciarmos com pedaladas, bicicletas, dribles, gols de placa, irreverência, passes de gênio. Somos os que podem, a cada jogo, sorrir, não pela tática, não pela “eficiência” do 1x0: somos a especial plateia do maior espetáculo da terra. Todos podem ver uma jogada brilhante de Neymar, um passe mágico do Ganso, uma bela defesa do Rafael. Todos, até hoje, podem se deliciar com as jogadas de Pelé, a bomba de Pepe, a força do Chulapa. Todos podem provar da elegância discreta de Giovanni. Mas todos precisam saber que cada lance de mestre desses craques foi, é e será para nós, os alvinegros da Vila Belmiro. Nós, os que temos orgulho de sermos santistas sem sermos de Santos, mas do Santos. Nós que, como diz o hino oficial – o clube é tão gigantesco que acabou tendo mais de um hino – mantemos a dignidade, sejamos vencidos ou vencedores. Nós que há um século já nascemos vencedores.
Outros times brasileiros já comemoraram seus centenários, todos de forma melancólica ou decepcionante. Não há time como o Santos, o abençoado Santos que nos abençoa com a sua história que continua a ser escrita, que conta, em seu centésimo aniversário, com os dois maiores craques brasileiros da atualidade para apagar as velinhas. Os presentes, já nos deram muitos, mas, cá entre nós, aguardamos para dezembro a redenção final. Caso a dádiva seja alcançada, nós, os santistas, podemos até deixar de torcer, pois o futebol, que, desconfio, tenha sido inventado para que o Santos pudesse brilhar, já terá cumprido sua função na história.

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