Em 1982, eu tinha seis anos. Lembro de ter ficado muito
triste com a derrota − não sei bem se chorei − e de ter saído para o quintal e
chutado a vasilha de água do cachorro, no que fui imediatamente repreendido por
meu pai, que não teve muito ânimo pra falar muita coisa após aquela partida, e eu
também não estava a fim de entender nada, era apenas tristeza, mesmo, uma
tristeza de chumbo que parecia sufocar toda a rua, meu mundo à época, e que
mais tarde eu saberia que na verdade era uma tristeza de todos os brasileiros,
uma tristeza de todos que amam futebol.
Qualquer vídeo, reportagem ou menção àquela seleção me
emociona. Sou um homem de muitas lágrimas, mas só porque existe muita beleza e
tristeza no mundo; a exemplo do que diz a canção, "não choramos à
toa". Em 1986, quando a seleção perdeu, nos pênaltis, para a França,
fiquei triste também, mas menos. Havia um tal de Maradona, da Argentina, que
estava fazendo por onde levar aquele título. Lembro que na véspera da final uma
reportagem exibida na televisão mostrava vários brasileiros que diziam, sem a
menor amargura, que torceriam pela seleção alviceleste. E outra, o Brasil
andava preocupado com outras coisas, eleições após um longo jejum de
democracia, plano cruzado, tínhamos Piquet e Senna já despontava, fora o vôlei,
que nossa segunda paixão nacional. A tristeza, além de menor, durava apenas uma
noite.
Em 1990, a seleção assumiu ares de quase vexame. A derrota
para a Argentina, nas oitavas de final, pelas pernas daquele tal Maradona, não
trouxe tristeza, mas raiva. Pela primeira vez fiquei achando que os adversários
eram arrogantes e ali nascia, para mim, a rivalidade com os argentinos. Também
tive raiva da seleção e de sua comissão técnica, do jogo feio, da briga entre
jogadores, CBF e patrocinadores por causa de premiação, e também fiquei com um
pouco de raiva do próprio futebol, que se apresentava, naquela Copa realizada
na Itália, como uma coisa extremamente chata. E outra: além de Piquet, Senna e
do vôlei, eu havia descoberto Oscar, Marcel, Paula e Hortência.
Em 1998, tudo correu bem, a não ser a derrota na final. Ignorei
polêmicas e teorias da conspiração. Nem raiva, nem tristeza, apenas um ligeiro
mal-estar. Havia Guga, vôlei de praia e Machado de Assis, Graciliano Ramos.
Guimarães Rosa, Dalton Trevisan, Manuel Bandeira, todos esses fazendo uma parte
essencial da minha vida. Zidane era um artista. Ronaldo era um dos melhores do
mundo. Não se pode ganhar sempre.
Em 2006, um caminhão de expectativas que não se consumaram
na Copa. Seleção de nariz empinado, craques que não jogavam, panelinhas,
tumultos, egoísmo. Pra mim, restou a frustração. Mas do outro lado estava, de
novo, mais do que nunca, Zidane. Incomodou, mas até que a seleção mereceu. E eu
já conhecia o amor.
Em 2010, parecia que a seleção e sua comissão técnica latiam,
rosnavam babando para o próprio país. Reclamavam, tumultuavam, viam fantasmas. Ainda
destilavam um rancor plantado lá na Copa de 90 e ainda não totalmente expurgado.
Morreram envenenados e não deixaram saudades. A tristeza durou pouco e a Copa,
na verdade, foi um pouco chata − não tanto quanto a de 90, é verdade. Aprendi a
nadar, me casei, assinei contratos.
Em 2014, queríamos torcer. Tínhamos Neymar e o orgulho
ferido por vários motivos extrafutebol. A Copa foi emocionante, alucinante,
inesquecível. Diversão garantida a cada jogo. Mordidas, malas de dinheiro,
Costa Rica, golaços, goleadas, prorrogações, recordes sendo batidos a cada
rodada, a cada partida. A Copa corria divertida, leve e parece que, fora
Camarões, talvez a Bósnia, com certeza a Espanha, só o Brasil não se divertia
nunca. Carrancudos, hinos cantados aos berros, torcida vaiando os adversários
fora de hora, tudo virava produto, tudo ficava automático, quase tudo soava
falso.
A tristeza de agora não é equiparável a de qualquer outra
copa. Não sentimos a dor de uma apunhalada do destino no coração do futebol arte,
como em 1982; não experimentamos o rancor azedo espalhado em 1990; não buscamos
nas teorias da conspiração a desculpa esfarrapada para não admitirmos que fomos
superados; não estampamos o "benfeito" no canto do lábio celebrando o
justo castigo para a seleção pusilânime de 2006; não entramos na pilha revanchista
de 2010; agora, a percepção de uma incompetência absurda, o reconhecimento de
que estamos muito longe dos grandes centros do futebol mundial, a certeza de
que tentaram nos enfiar goela abaixo uma peça publicitária em vez de um time,
já nem dói.