quarta-feira, setembro 24, 2008

Marcelino Freire fez um concurso em seu blog, premiando os que enviassem contos com exatas seis palavrinhas! Não estive entre os vencedores (nunca estou), mas posto aqui algumas de minhas tentativas (foi divertido passar por esta experiência!). Alguns são lápides:

Beata
Meu Deus, Minha Nossa Senhora.

Periferia, vosso padeiro foi o diabo.

Jesus
Tantas almas pequenas, ó Pai...

Dalton Trevisan
Aqui ninguém o incomoda.

Dalton fugiu do sucesso e fracassou.

Professor
Caixão não coube no salário.

Drummond
Uma pedra construiu o poeta.

Apenas o crack soube amá-lo.

Prostituta
De costas não doía menos.

Bandeira
A poesia enganou a morte.


Morreu na contramão esperando um amor.

Feirante
Do outro lado fedia peixe.

O anão morreu gemendo bem baixinho.

Apenas de máscara sabia sorrir sinceramente.

Zé do Caixão
Você! Todos você!

Machado de Assis
Toda palavra sã.

Jesus Cristo
Até depois de amanhã.

Jesus de Nazaré
Depois ele volta.


Jogador
No impedimento, não fazia barreira.


O pedófilo brincava feia brincadeira desgraçada.

A mulher era violão e pianinho.

Sinal Fechado
Era muito míope mesmo.

segunda-feira, setembro 15, 2008

Democracia: então era só isso???


Tudo bem, tudo certo, mas, quando falavam em democracia, lá no início dos anos oitenta, você achava que a coisa chegaria a esse ponto?!
Negócio mais sem graça essa campanha eleitoral... Democracia não era coisa séria, nobre, especial? Não servia para cumprir e executar a vontade do povo? Não era coisa de gente de bem, honesta, que não batia, não matava, não torturava?
Democracia pra trocar de carro, enriquecer publicitário, ludibriar a gente? Democracia sem coerência? Com alianças estranhas, contradições ideológicas, traições explícitas, enquanto o povo é o último a saber? Democracia com milhares de candidatos, quase todos com as mesmas idéias, propostas e golpes? Democracia esfarrapada e caduca, eleitoral, gratuita e milionária; democracia vendida.
Democracia loteada em minutos, siglas e cores? Essa democracia nossa não gosta de povo, mas serve-se dele. Democracia é o povo feliz pelas ruas satisfeito com o que temos? É a esperança de mudanças profundas vindas de quem por lá já passou e pouco ou nada mudou? É a novidade reumática, esfumaçada, de cores antigas e discursos decrépitos? Democracia é só um arroto azedo.
Ou talvez não, mas...
A Bíblia mostra que Deus resolveu promover o dilúvio quando a humanidade estava tão corrompida que não valia mais a pena consertar. Não tenho muita certeza do que realmente estavam aprontando, mas acho difícil que os pecadores daquela época fossem menos funestos que a classe política atual. Será que não é hora de assistirmos a um dilúvio político no Brasil? Ora, esse modelo partidário constantemente confundido com democracia não parece oferecer mais nada de bom, belo ou agradável. Na verdade, nosso sistema serve apenas para nos lembrar de que a coisa pode ficar ainda pior – não creio que seja possível existir uma “ditadura do bem”: a patifaria legendária das legendas só não consegue ser pior do que os regimes de exceção, pois nela, por mais restrita e nefasta que seja, ainda existem opções.
Jorge Luis Borges, escritor tão genial quanto reacionário, escreveu certa vez que a democracia era uma “superstição”. De fato, mesmo sabendo que a democracia é a melhor opção entre as que conhecemos, à vezes penso que já passou da hora da humanidade – ou do Brasil, pelo menos – encontrar uma maneira de tratá-la, a democracia, com um mínimo de respeito e seriedade, em vez de atribuir a ela um poder que, sozinha, não poderá jamais desempenhar? Democracia sem informação, honestidade, seriedade, sem debate real, ideológico, sim, não é nada além do circo de horrores a que somos obrigados a assistir nas épocas de eleições e nos jornais, quando páginas políticas e policiais se confundem.
Se Deus não tem mais interesse em promover dilúvios, como a própria Bíblia nos avisa, seria bom que, ao menos, pudéssemos vislumbrar um arco-íris ao longe, para que tenhamos alguma esperança, para que saibamos que valeu a pena lutar e esperar pelo fim dos anos de chumbo. Pelo menos uma estatuazinha de sal feita de algum canhestro candidato não seria coisa ruim de se assistir...

sexta-feira, setembro 05, 2008

O Sermão das ONGs


Agradeço sinceramente a Deus que haja um número cada vez maior de pessoas empenhadas em agir efetivamente na inclusão social. Se o mundo caminha rapidamente para um abismo capitalista onde voltaremos todos a nos digladiar por bens consumíveis – antes era por comida e água; no futuro será por computadores, celulares e o que ainda está por ser inventado – ainda há muita gente solidária, com preocupações mais humanas, menos mercadológicas. Existe alguma esperança.
No entanto, todos nós sabemos o que preenche o inferno, além de pedófilos, políticos corruptos, empresários que constroem prédios com areia da praia e apresentadores e produtores de certos programas de televisão: o diabo adora boas intenções e demagogos.
Talvez, com um pouco de boa vontade – essa, creio, anda mais bem-acompanhada – possamos livrar a cara das boas intenções, desde que esta não venha acompanhada de sua irmã gêmea, a superficialidade. Pessoas cobertas de boas intenções, mas que não conhecem adequadamente as causas que defendem, podem causar danos canhestros com a nítida sensação de que estão ajudando a salvar o mundo.
Isto é muito fácil de perceber, por exemplo, quando damos esmolas para crianças pelas ruas. Boa parte delas, é sabido, são vítimas de adultos exploradores, que também têm lugar de honra lá no quinto dos infernos. Achamos, a depender da carinha da criança, de seus trajes, do ar desamparado que ela nos joga, que estamos contribuindo para o seu bem-estar. Crianças um pouco maiores, adolescentes, muitas vezes sequer são coagidas por adultos calhordas: eles mesmos desenvolvem suas táticas de convencimento e saem por aí derretendo nossos corações.
Não generalizo – generalizar é uma das vertentes da superficialidade – pois sei que há crianças e adultos que foram lançados àquela condição miserável e que têm nas esmolas que recebem muitas vezes o único recurso de que dispõem. Aí teríamos que discutir ações efetivas que acolham essas pessoas e lhes restituam a dignidade, o que nem sempre estamos dispostos a fazer, pois a esmola é mais prática e rápida. O mesmo problema acontece nos trabalhos sociais, nas iniciativas populares: os bem-intencionados superficiais vão no emocional, no “bonitinho”, e não perdem tempo estudando a realidade e estratégias mais efetivas de ação.
Há mais um fator interessante: o superficial, via de regra, é grande admirador do demagogo e aceita passivamente suas idéias e sua voz de comando.
A demagogia, ao contrário da superficialidade, raramente, ou nunca, vem acompanhada de boas intenções. Identificar um demagogo é muito fácil; ele, assim como algumas pessoas bem-intencionadas, mas superficiais, adora fazer discursos e despachar frases de efeito, se emociona facilmente, cultua heróis. Mas o demagogo tem uma característica muito peculiar: adora chamar a atenção para si, ainda que finja não gostar de aparecer. O demagogo se orgulha de seus feitos, divulga suas façanhas e dá a entender, descarada ou sutilmente, que sem ele as coisas não seriam tão boas como são.
Mas o pior defeito do demagogo, obviamente, é o fato de agir em última instância sempre pensando em si mesmo. Esse tipo humano, por mais que faça pelo coletivo, sempre almeja uma fatia especial do bolo; ele não se incomoda em manipular, em passar outras pessoas para trás, em tomar para si elogios que não merece. O demagogo tem absoluta certeza de que é especial, superior aos outros.
Ora, infelizmente, temos inúmeras pessoas bem-intencionadas, mas superficiais, trabalhando lado a lado com demagogos em quase todos os projetos sociais que conhecemos. É óbvio que não são apenas esses dois tipos que atuam em causas humanitárias. Mas, para meu espanto, devo admitir que são essas pessoas – demagogos e superficiais – que fazem boa parte das coisas acontecer. No entanto, infelizmente, também são essas pessoas que fazem as coisas não acontecerem. Explico: superficiais e demagogos são viciados em problemas; para eles, sempre será necessário que haja o analfabeto, o crime, a exclusão, pois ambos se alimentam do sofrimento alheio, seja para aplacar suas consciências culpadas, seja para fazer carreira profissional. Assim, atuam para mostrar serviço, não para solucionar problemas.
Como resolver os problemas típicos desses dois tipos de pessoas? Simples: superficiais, primeiro reconheçam o que são, depois informem-se e envolvam-se. Demagogos: tomem vergonha nessa cara safada e parem de tirar proveito dos necessitados e dos inocentes úteis.

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