domingo, agosto 29, 2010

Agora vai!

O Anticristo é um pequeno livro, com pequenos capítulos. São aforismos, embora um pouco grandes para esse gênero textual. Os aforismos normalmente são escritos por pessoas que estão absolutamente convictas do que escrevem, pois encerram um juízo moral – termo que Nietzsche certamente rejeitaria. O autor do aforismo, quando não é anônimo, soa como arrogante, pois se apresenta como o senhor da razão.
Nesse texto, a partir de agora, pretendo contra-aforismar, ou seja: a partir de cada capítulo de O Anticristo, fazer algum comentário. Os “contra-aforismos”, assim como os aforismos, não primam pela humildade, pois também são escritos por pessoas convictas de algo. Normalmente são artilharia de defesa. Nesse caso, não é bem uma defesa de nada, pois, creio, Deus pode fazer isso sozinho e vem fazendo ao longo da História. O incômodo é meu, a intenção de questionar valores apregoados por Nietzsche é minha, o convite ao diálogo é meu. Não me ponho em pé de igualdade com meu adversário, pois, comparativamente, não tenho duas gotas da imensa represa de erudição do Bigode. Mas quero falar, talvez me divertir um pouco, jogar pulgas atrás de algumas orelhas. Se conseguir alguma dessas coisas, me dou por satisfeito.
Vamos começar?
I
Que hiperbóreo que nada! Somos mesmo é nietzscheanos! Somos muito fáceis de encontrar: nas igrejas, universidades, nos pampas, parlamentos, no cinema, no metrô... tem pra todo gosto e pra todo lado!
Temos grande dificuldade em perdoar; no máximo, escondemos nosso rancor ou nossa fraqueza em palavras e comportamentos passivos. E também somos péssimos para nos arrependermos de algo. Podemos até nos arrepender, mas assumir essa mudança de perspectiva diante de nossos erros é algo que pega muito mal em nosso meio. Bastaria para essa constatação prestar um pouco de atenção na quantidade de vezes que ouvimos frases do tipo: “não me arrependo de nada!”. Existe coisa menos cristã que não se arrepender dos erros? E fazemos isso porque não queremos parecer fracos. Existe coisa mais nietzscheana do que almejar parecer forte?

quinta-feira, agosto 26, 2010

Abraçado ao rancor

Comecei, ano passado, a fazer uma paródia do livro O anticristo, de Nietzsche. Parei porque vivo precisando suspender meus "projetos do espírito", como diria Mario de Andrade, para fazer outras coisas mais prosaicas. Não é um trataod filosófico, mas uma brincadeira, do ponto de vista de um cristão. O nome desse projeto é O Antinietzsche. Abaixo segue o primeiro capítulo, que se chama justamente "Abraçado ao meu rancor"


Nietzsche era de uma linhagem de pastores protestantes, incluindo o próprio pai, que morreu prematuramente. Na juventude, também pretendia seguir a carreira sacerdotal, tanto que chegou a se preparar para o ministério pastoral. Mas alguma coisa aconteceu, e hoje o bigodudo prussiano é dos pensadores preferidos entre ateus, tornou-se o filósofo da moda, cult, pop e faz suar frio uma boa parte dos cristãos de praticamente todas as denominações, ao menos os mais chegados ao exercício do pensamento – que provavelmente não são maioria, não. Também é verdade que alguns dos cristãos pensantes não suam frio quando são defrontados com a obra de Nietzsche; antes, fazendo uso do conselho bíblico de provar todas as coisas e reter o que é bom, encontram entre as linhas do filósofo, algo que se aproveite.
É verdadeira a afirmação de que Nietzsche se converteu; contudo, seu percurso foi contrário ao do que nós cristãos gostamos de valorizar: ele saiu de uma formação cristã protestante e embrenhou-se num “antiniilismo materialista pré-futurista e antepós-moderno” (eita ferro!) presente na base de muitos movimentos políticos e filosóficos que atravessaram o século XX e chega ainda bastante vigoroso – talvez mais do que nunca, a posteridade nos dirá – ao terceiro milênio.
Ao menos na obra O Anticristo, Nietzsche é bastante contundente, mesmo agressivo, em suas afirmações. Contrariando o princípio cristão de oferecer a outra face, pretendemos aqui revidar os golpes proferidos pelo filósofo mais famoso dos últimos tempos – o de todos os tempos continua sendo Sócrates, “seguido pelos seguidores” Platão e Aristóteles, pelo espanhol Vicente Matheus e pelos brasileiros Xico Sá e Nataniel Jebão.
A presente obra não é um tratado filosófico. Minha deformação é outra. O próprio bigodudo me viria com profundo desprezo, pois, apesar de não ser teólogo, estou “envenenado” pela visão cristã de mundo. Mas, embora este fato me descredencie diante de muitos pensadores, gostaria de confrontar algumas ideias nietzschianas com meus princípios. Assim como o prussiano não podia se livrar de suas lancinantes dores de cabeça, não posso me desvencilhar do que sou: cristão, protestante, batista, evangélico e santista fundamentalista, mais ou menos nessa ordem.
Para mim, digo desde o começo, O Anticristo é fruto de um grande rancor, misturado com um enorme sentimento de inferioridade e traspassado por uma visão imperialista de mundo. Também deve haver algumas pitadas de traumas pessoais, fora o lado “noia” do filósofo, que não pretendemos levar em conta, dado seu viés especulativo. Não nos interessa a biografia do filósofo, apenas as ideias que defendeu. Desejamos não apenas matar a cobra, mas também, e sobretudo, mostrar a cobra morta!

APRESENTANDO O SANTO

Este é um texto que fiz para um projeto que nunca foi pra frente, como a maioria dos projetos que fazemos. A ideia era convidar um cético que tem respeito pela fé alheia e um religioso (tipo o Pondé) que não é fundamentalista, nem tem vergonha de pensar (tipo o Ariovaldo Ramos. A certa altura, pensei em eu mesm ofazer o papel do crente, e é daí que esse texto brota. Não achei parceiros.

O santo peca, se alegra e estuda. O santo, sempre que pode, ri. O santo come carne, fritura e doces, inclusive no dia da paixão de Cristo.
O santo admira as artes, inclusive – talvez principalmente – as laicas. O santo lê Machado de Assis, Rubem Fonseca, admira Martin Luther King e Shakespeare.
O santo não vive no altar. Tem pés de barro e de vez e quando a cabeça oca. O santo é um saco vazio que para conseguir parar em pé pediu ajuda a Deus.
O santo não é católico. Diz-se cristão, protestante, batista e evangélico, necessariamente nessa ordem (mas talvez evangélico venha depois de cristão, ele tem dúvidas). Sim, o santo duvida, até mesmo, com bastante frequência, de coisas sobrenaturais. O santo não dança porque é tímido, não porque tema o fogo do inferno. Não bebe muito vinho porque é diabético e porque dá muito sono. O santo chora lendo poemas belos, de amor ou indignação; ouvindo canções, sacras ou não; quando vai ao teatro (muitas vezes tão caro), o santo amolece o espírito e sente-se mais próximo do divino.
O santo admira boas conversas, dispensa a superficialidade quando o assunto é sério, mas odeia cerimônia quando os amigos se reúnem em volta de uma pizza ou da churrasqueira.
Santo é devoto do Cristo, a quem admira e pede proteção. O santo é santista fundamentalista, mas não é torcedor doente, e sim saudável – ave, Millor!
O santo inventa piada, fala palavrão e ama estar ao lado dos irmãos (onde sente na carne o que é ser cristão).
O santo é crente e tem fé, em Deus e até nos homens! O santo não mistura as coisas, não.
Esse santo é meio doido, mas odeia não estar com a razão.

Seguidores