segunda-feira, outubro 14, 2013

15 de outubro


Muita coisa bonitinha pipocará nas redes sociais, muita frase feita será compartilhada e curtida, muita entonação de voz forçada será desengavetada para falar da importância do trabalho do professor. Nenhum aumento digno será proposto, nenhuma política séria será implantada, a jornada de trabalho não passará a ser digna e todos continuarão a olhar para as escolas públicas com o desprezo de sempre.
Muita gente se lembrará de professores competentes, amáveis e comprometidos, mas as lembranças mais divertidas são sobre como professores estressados e mal pagos foram humilhados pelos motivos mais justificáveis, como a vontade de exercer seus ofício com o mínimo de dignidade.
Muitos comemorarão os tiros no assaltante da moto cara sem fazer qualquer tipo de associação entre educação de qualidade e índices de criminalidade.
Quantos olharão para nós com um misto de pena e desprezo, porque ganhamos salários miseráveis e sofremos todo tipo de humilhação possível daqueles que queremos ajudar a educar, porque não fomos suficientemente inteligentes para conseguirmos empregos cuja remuneração é muito maior.
Muitos falarão do imperador do Japão, contarão mentiras singelas sobre os professores do Japão, mas se sentirão espertos por enganarem os professores daqui, por passarem mais um dia pela escola sem nada aprender, e ainda dirão que o governo deveria valorizar o professor.
Muitos resistirão dia após dia, planejando, preparando, elaborando, dando a cara pra bater, suando sangue, chorando abacaxis e ouriços, empenharão a vida em uma causa, amarão sem pieguice, lutarão por uma causa, sentirão medo, terão insônia, ganharão pouco, trabalharão muito e terão em cada segundo de aprendizado verdadeiro aquela alegria que nenhum outro profissional pode ter.

Não queremos parabéns, chocolates ou dias de folga. Queremos nossa dignidade de volta.

terça-feira, outubro 08, 2013

Paulo Coelho: não é só isso


E mais uma vez Paulo Coelho vira notícia. Um dos 70 escolhidos pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na Feira do livro De Frankfurt, neste ano em que o Brasil será homenageado no principal evento do mercado editorial mundial, o autor com fama de mago declinou do convite para protestar contra a ausência de alguns dos principais campeões brasileiros de tiragens. Nomes André Vianco, Thalita Rebouças e Felipe Neto foram lembrados por Paulo Coelho como exemplo, entre muitos outros, de escritores  que verdadeiramente representam o Brasil, justamente por serem os mais lidos da atualidade.
O raciocínio de Paulo Coelho é bastante lógico e coerente. A própria ministra da cultura, Marta Suplicy, ao ser questionada sobre o número muito pequeno de escritores negros e índios da delegação brasileira, disse que a escolha dos nomes se deu por razões estéticas, não étnicas, e que a Feira do livro de Frankfurt é um evento comercial. Ao tentar separar ética de etnia e acabar embolando arte com mercado, o que a ministra fez foi misturar alhos com bugalhos.
De fato, a Feira do livro de Frankfurt é realmente um enorme balcão de negócios. Sendo assim, importa divulgar produtos que tenham reais condições de alcançar sucesso comercial, e as grandes tiragens desses autores aqui no Brasil e por vezes também no exterior, como é o flagrante caso do próprio Paulo Coelho, não podem ser ignoradas. É uma oportunidade para fazer dinheiro! Frankfurt, para muitos, é a Davos dos livros.
Paulo Coelho, de modo até mesmo um tanto grosseiro, o que, até onde eu saiba, não é comum, o que revelou que o escritor está realmente irritado com a situação, chegou a afirmar que sequer conhecia a maioria dos escritores que estavam presentes na lista. Segundo li em algum lugar, todos os 70 convidados já foram traduzidos para o alemão, o que não deixou de ser um critério, condição básica de qualquer lista − outro quesito obrigatório de qualquer lista desse tipo é a polêmica instaurada logo sua divulgação.
Paulo Coelho talvez esteja um pouco mal informado sobre seus colegas escritores brasileiros, posto que muitos são nomes correntes nas páginas culturais de jornais e revistas, embora boa parte deles mantenha tiragens tão pequenas que chegam a ser ridículas, se comparadas a qualquer escritor que fale de zumbis, anjos, vampiros ou autoajuda. Em todo caso, a desinformação do autor de Diário de um mago vem corroborar o que já percebi há algum tempo: Paulo Coelho não é um leitor ferrenho de literatura, haja vista seus depoimentos autofágicos que costumam falar muito de si mesmo, de seu sucesso, sua grana, as festas que frequenta, as celebridades que leem seus livros etc.
Recentemente, lançou um livro com o mesmo título de um clássico de Jorge Luis Borges, O Aleph, e  escreveu um conto que pretendia dialogar com a obra do magistral escritor argentino. Tratou-se de uma tentativa de aproximação com universo literário que em geral, Paulo Coelho ignora e é ignorado por ele. Todo esforço por parte do mago para conquistar seu lugar, digamos, nas aulas da FFLCH, não pela via comum e obrigatória da leitura dos clássicos, mas por micagens como a que promoveu com Borges, ou pela eleição para a Academia Brasileira de Letras, deram o resultado esperado.
Acredito, sem cinismo algum, que em eventos como a Feira do livro de Frankfurt não se pode ignorar Paulo Coelho, Raphael Draccon, Eduardo Sphor e outros campeões de vendas. Afinal de contas, eles escrevem livros por editoras e têm público: são, portanto, produtores de livros com enorme potencial de mercado, o que serve, inclusive, para manter as editoras abertas e as feiras de livros ao redor do mundo funcionando. Aliás, a academia ganharia muito mais se desse alguma atenção a esses livros do que se insistir em os ignorar. Embora discorde que esses autores formem leitores, pois um leitor "formado", ou em constante formação, é aquele que consegue lidar com diversos gêneros e modalidades literárias, e não o leitor monofônico que busca nos livros um eterno estilo próximo do cinema ou da televisão, ou ler sempre as mesmas histórias com personagens diferentes, ora bruxos, ora anjos, ora vampiros, ora castores…
Por outro lado, quem tem o luxo de viver dos livros, e dos livros literários, não pode, por uma série de motivos, se dar à pobreza de espírito de lidar apenas com livros vendáveis. Em primeiro lugar porque os livros que não vendem aos montes também são formadores de leitores, abrem possibilidades para que pessoas com necessidades estéticas diferentes sejam contempladas − se há quem reclame quando uma determinada marca de iogurte sai de circulação, como desprezar os escritores que vendem pouco? Em segundo lugar porque é nosso dever não nos pautarmos apenas no que o mercado impõe, até porque muito do que é oferecido, bombardeado pelo mercado, seja uma roupa, seja um livro, seja um iogurte, é de qualidade questionável, empobrecedor, de baixo relevo. E feiras como a de Frankfurt podem ser ao mesmo tempo um enorme balcão de negócios e um espaço de resistência, de divulgação cultural, de encontro das diversidades.
Há ainda um outro fator: nem todo sucesso de vendas da atualidade  o será daqui dois anos. De vez em quando as listas dos mais vendidos são preenchidas por três ou quatro escritores, sucessos absolutos que serão plenamente esquecidos pouco tempo depois. Isso é da lógica do mercado, a alta rotatividade de nomes − e perceber que Paulo Coelho consegue se manter há tanto tempo no topo só engrandece o seu trabalho, ao menos do ponto de vista comercial. Por outro lado, há quanto tempo temos leitores que se emocionam com Shakespeare, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Dante, cuja obra recentemente serviu de matéria-prima para um best seller de Dan Brown? Todos esses, e muitos outros, venderam pouco, às vezes foram completamente ignorados em vida, mas fazem parte do patrimônio cultural de um país, do mundo. Claro que o mercado não respeita muito isso de "patrimônio cultural", mas de vez em quando faz muito dinheiro indo beber justamente nessa fonte.
Por último, o que faz sucesso do ponto de vista comercial no Brasil pode naufragar no exterior, especialmente na Alemanha, enquanto o que resiste bravamente por aqui pode vir a ser um sucesso em outros países. Escritores brasileiros que não constam na lista dos best sellers já foram convidados para morar na Alemanha e escrever um livro por lá. Ignácio de Loyola Brandão, João Ubaldo Ribeiro e Fernando Bonassi, por exemplo, já foram agraciados com essa bolsa.
Embora a queixa de Paulo Coelho tenha algum sentido, ela foi exagerada e deu o tom de sua visão sobre literatura: um meio de vida, um negócio como outro qualquer. Toda aquela espiritualidade emanada das páginas de seus livros de repente foi substituída por uma coisa chamada disputa por território, briga para abocanhar uma fatia do mercado − e estamos falando de mercado também, ou o evento desencadeador da polêmica não se chamaria feira. Mas literatura, graças a Deus, não é só isso, e sempre é bom poder subverter a lógica do mercado dentro de um ambiente consumista. Foi feio ignorar os grandes vendedores de livros brasileiros, embora Mauricio de Sousa e Ziraldo, por exemplo, além de João Ubaldo Ribeiro, que para o espanto de muitos já vendeu milhões de livros; não doeria ter entre os escritores brasileiros algum autor de best sellers, até porque nem todos que estarão em Frankfurt são escritores exímios, não.

Fico pensando: será que o mago Paulo Coelho não acabou dando esse piti por perceber que não seria reverenciado como acha que merece pelos demais escritores que estarão por lá? Ele é leitor de Thalita Rebouças e Felipe Neto ou queria bancar o Robbin Rood das letras comerciais brasileiras? Especulações…   

Paulo Coelho: não é só isso


E mais uma vez Paulo Coelho vira notícia. Um dos 70 escolhidos pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na Feira do livro De Frankfurt, neste ano em que o Brasil será homenageado no principal evento do mercado editorial mundial, o autor com fama de mago declinou do convite para protestar contra a ausência de alguns dos principais campeões brasileiros de tiragens. Nomes André Vianco, Thalita Rebouças e Felipe Neto foram lembrados por Paulo Coelho como exemplo, entre muitos outros, de escritores  que verdadeiramente representam o Brasil, justamente por serem os mais lidos da atualidade.
O raciocínio de Paulo Coelho é bastante lógico e coerente. A própria ministra da cultura, Marta Suplicy, ao ser questionada sobre o número muito pequeno de escritores negros e índios da delegação brasileira, disse que a escolha dos nomes se deu por razões estéticas, não étnicas, e que a Feira do livro de Frankfurt é um evento comercial. Ao tentar separar ética de etnia e acabar embolando arte com mercado, o que a ministra fez foi misturar alhos com bugalhos.
De fato, a Feira do livro de Frankfurt é realmente um enorme balcão de negócios. Sendo assim, importa divulgar produtos que tenham reais condições de alcançar sucesso comercial, e as grandes tiragens desses autores aqui no Brasil e por vezes também no exterior, como é o flagrante caso do próprio Paulo Coelho, não podem ser ignoradas. É uma oportunidade para fazer dinheiro! Frankfurt, para muitos, é a Davos dos livros.
Paulo Coelho, de modo até mesmo um tanto grosseiro, o que, até onde eu saiba, não é comum, o que revelou que o escritor está realmente irritado com a situação, chegou a afirmar que sequer conhecia a maioria dos escritores que estavam presentes na lista. Segundo li em algum lugar, todos os 70 convidados já foram traduzidos para o alemão, o que não deixou de ser um critério, condição básica de qualquer lista − outro quesito obrigatório de qualquer lista desse tipo é a polêmica instaurada logo sua divulgação.
Paulo Coelho talvez esteja um pouco mal informado sobre seus colegas escritores brasileiros, posto que muitos são nomes correntes nas páginas culturais de jornais e revistas, embora boa parte deles mantenha tiragens tão pequenas que chegam a ser ridículas, se comparadas a qualquer escritor que fale de zumbis, anjos, vampiros ou autoajuda. Em todo caso, a desinformação do autor de Diário de um mago vem corroborar o que já percebi há algum tempo: Paulo Coelho não é um leitor ferrenho de literatura, haja vista seus depoimentos autofágicos que costumam falar muito de si mesmo, de seu sucesso, sua grana, as festas que frequenta, as celebridades que leem seus livros etc.
Recentemente, lançou um livro com o mesmo título de um clássico de Jorge Luis Borges, O Aleph, e  escreveu um conto que pretendia dialogar com a obra do magistral escritor argentino. Tratou-se de uma tentativa de aproximação com universo literário que em geral, Paulo Coelho ignora e é ignorado por ele. Todo esforço por parte do mago para conquistar seu lugar, digamos, nas aulas da FFLCH, não pela via comum e obrigatória da leitura dos clássicos, mas por micagens como a que promoveu com Borges, ou pela eleição para a Academia Brasileira de Letras, deram o resultado esperado.
Acredito, sem cinismo algum, que em eventos como a Feira do livro de Frankfurt não se pode ignorar Paulo Coelho, Raphael Draccon, Eduardo Sphor e outros campeões de vendas. Afinal de contas, eles escrevem livros por editoras e têm público: são, portanto, produtores de livros com enorme potencial de mercado, o que serve, inclusive, para manter as editoras abertas e as feiras de livros ao redor do mundo funcionando. Aliás, a academia ganharia muito mais se desse alguma atenção a esses livros do que se insistir em os ignorar. Embora discorde que esses autores formem leitores, pois um leitor "formado", ou em constante formação, é aquele que consegue lidar com diversos gêneros e modalidades literárias, e não o leitor monofônico que busca nos livros um eterno estilo próximo do cinema ou da televisão, ou ler sempre as mesmas histórias com personagens diferentes, ora bruxos, ora anjos, ora vampiros, ora castores…
Por outro lado, quem tem o luxo de viver dos livros, e dos livros literários, não pode, por uma série de motivos, se dar à pobreza de espírito de lidar apenas com livros vendáveis. Em primeiro lugar porque os livros que não vendem aos montes também são formadores de leitores, abrem possibilidades para que pessoas com necessidades estéticas diferentes sejam contempladas − se há quem reclame quando uma determinada marca de iogurte sai de circulação, como desprezar os escritores que vendem pouco? Em segundo lugar porque é nosso dever não nos pautarmos apenas no que o mercado impõe, até porque muito do que é oferecido, bombardeado pelo mercado, seja uma roupa, seja um livro, seja um iogurte, é de qualidade questionável, empobrecedor, de baixo relevo. E feiras como a de Frankfurt podem ser ao mesmo tempo um enorme balcão de negócios e um espaço de resistência, de divulgação cultural, de encontro das diversidades.
Há ainda um outro fator: nem todo sucesso de vendas da atualidade  o será daqui dois anos. De vez em quando as listas dos mais vendidos são preenchidas por três ou quatro escritores, sucessos absolutos que serão plenamente esquecidos pouco tempo depois. Isso é da lógica do mercado, a alta rotatividade de nomes − e perceber que Paulo Coelho consegue se manter há tanto tempo no topo só engrandece o seu trabalho, ao menos do ponto de vista comercial. Por outro lado, há quanto tempo temos leitores que se emocionam com Shakespeare, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Dante, cuja obra recentemente serviu de matéria-prima para um best seller de Dan Brown? Todos esses, e muitos outros, venderam pouco, às vezes foram completamente ignorados em vida, mas fazem parte do patrimônio cultural de um país, do mundo. Claro que o mercado não respeita muito isso de "patrimônio cultural", mas de vez em quando faz muito dinheiro indo beber justamente nessa fonte.
Por último, o que faz sucesso do ponto de vista comercial no Brasil pode naufragar no exterior, especialmente na Alemanha, enquanto o que resiste bravamente por aqui pode vir a ser um sucesso em outros países. Escritores brasileiros que não constam na lista dos best sellers já foram convidados para morar na Alemanha e escrever um livro por lá. Ignácio de Loyola Brandão, João Ubaldo Ribeiro e Fernando Bonassi, por exemplo, já foram agraciados com essa bolsa.
Embora a queixa de Paulo Coelho tenha algum sentido, ela foi exagerada e deu o tom de sua visão sobre literatura: um meio de vida, um negócio como outro qualquer. Toda aquela espiritualidade emanada das páginas de seus livros de repente foi substituída por uma coisa chamada disputa por território, briga para abocanhar uma fatia do mercado − e estamos falando de mercado também, ou o evento desencadeador da polêmica não se chamaria feira. Mas literatura, graças a Deus, não é só isso, e sempre é bom poder subverter a lógica do mercado dentro de um ambiente consumista. Foi feio ignorar os grandes vendedores de livros brasileiros, embora Mauricio de Sousa e Ziraldo, por exemplo, além de João Ubaldo Ribeiro, que para o espanto de muitos já vendeu milhões de livros; não doeria ter entre os escritores brasileiros algum autor de best sellers, até porque nem todos que estarão em Frankfurt são escritores exímios, não.

Fico pensando: será que o mago Paulo Coelho não acabou dando esse piti por perceber que não seria reverenciado como acha que merece pelos demais escritores que estarão por lá? Ele é leitor de Thalita Rebouças e Felipe Neto ou queria bancar o Robbin Rood das letras comerciais brasileiras? Especulações…   

Paulo Coelho: não é só isso


E mais uma vez Paulo Coelho vira notícia. Um dos 70 escolhidos pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na Feira do livro De Frankfurt, neste ano em que o Brasil será homenageado no principal evento do mercado editorial mundial, o autor com fama de mago declinou do convite para protestar contra a ausência de alguns dos principais campeões brasileiros de tiragens. Nomes André Vianco, Thalita Rebouças e Felipe Neto foram lembrados por Paulo Coelho como exemplo, entre muitos outros, de escritores  que verdadeiramente representam o Brasil, justamente por serem os mais lidos da atualidade.
O raciocínio de Paulo Coelho é bastante lógico e coerente. A própria ministra da cultura, Marta Suplicy, ao ser questionada sobre o número muito pequeno de escritores negros e índios da delegação brasileira, disse que a escolha dos nomes se deu por razões estéticas, não étnicas, e que a Feira do livro de Frankfurt é um evento comercial. Ao tentar separar ética de etnia e acabar embolando arte com mercado, o que a ministra fez foi misturar alhos com bugalhos.
De fato, a Feira do livro de Frankfurt é realmente um enorme balcão de negócios. Sendo assim, importa divulgar produtos que tenham reais condições de alcançar sucesso comercial, e as grandes tiragens desses autores aqui no Brasil e por vezes também no exterior, como é o flagrante caso do próprio Paulo Coelho, não podem ser ignoradas. É uma oportunidade para fazer dinheiro! Frankfurt, para muitos, é a Davos dos livros.
Paulo Coelho, de modo até mesmo um tanto grosseiro, o que, até onde eu saiba, não é comum, o que revelou que o escritor está realmente irritado com a situação, chegou a afirmar que sequer conhecia a maioria dos escritores que estavam presentes na lista. Segundo li em algum lugar, todos os 70 convidados já foram traduzidos para o alemão, o que não deixou de ser um critério, condição básica de qualquer lista − outro quesito obrigatório de qualquer lista desse tipo é a polêmica instaurada logo sua divulgação.
Paulo Coelho talvez esteja um pouco mal informado sobre seus colegas escritores brasileiros, posto que muitos são nomes correntes nas páginas culturais de jornais e revistas, embora boa parte deles mantenha tiragens tão pequenas que chegam a ser ridículas, se comparadas a qualquer escritor que fale de zumbis, anjos, vampiros ou autoajuda. Em todo caso, a desinformação do autor de Diário de um mago vem corroborar o que já percebi há algum tempo: Paulo Coelho não é um leitor ferrenho de literatura, haja vista seus depoimentos autofágicos que costumam falar muito de si mesmo, de seu sucesso, sua grana, as festas que frequenta, as celebridades que leem seus livros etc.
Recentemente, lançou um livro com o mesmo título de um clássico de Jorge Luis Borges, O Aleph, e  escreveu um conto que pretendia dialogar com a obra do magistral escritor argentino. Tratou-se de uma tentativa de aproximação com universo literário que em geral, Paulo Coelho ignora e é ignorado por ele. Todo esforço por parte do mago para conquistar seu lugar, digamos, nas aulas da FFLCH, não pela via comum e obrigatória da leitura dos clássicos, mas por micagens como a que promoveu com Borges, ou pela eleição para a Academia Brasileira de Letras, deram o resultado esperado.
Acredito, sem cinismo algum, que em eventos como a Feira do livro de Frankfurt não se pode ignorar Paulo Coelho, Raphael Draccon, Eduardo Sphor e outros campeões de vendas. Afinal de contas, eles escrevem livros por editoras e têm público: são, portanto, produtores de livros com enorme potencial de mercado, o que serve, inclusive, para manter as editoras abertas e as feiras de livros ao redor do mundo funcionando. Aliás, a academia ganharia muito mais se desse alguma atenção a esses livros do que se insistir em os ignorar. Embora discorde que esses autores formem leitores, pois um leitor "formado", ou em constante formação, é aquele que consegue lidar com diversos gêneros e modalidades literárias, e não o leitor monofônico que busca nos livros um eterno estilo próximo do cinema ou da televisão, ou ler sempre as mesmas histórias com personagens diferentes, ora bruxos, ora anjos, ora vampiros, ora castores…
Por outro lado, quem tem o luxo de viver dos livros, e dos livros literários, não pode, por uma série de motivos, se dar à pobreza de espírito de lidar apenas com livros vendáveis. Em primeiro lugar porque os livros que não vendem aos montes também são formadores de leitores, abrem possibilidades para que pessoas com necessidades estéticas diferentes sejam contempladas − se há quem reclame quando uma determinada marca de iogurte sai de circulação, como desprezar os escritores que vendem pouco? Em segundo lugar porque é nosso dever não nos pautarmos apenas no que o mercado impõe, até porque muito do que é oferecido, bombardeado pelo mercado, seja uma roupa, seja um livro, seja um iogurte, é de qualidade questionável, empobrecedor, de baixo relevo. E feiras como a de Frankfurt podem ser ao mesmo tempo um enorme balcão de negócios e um espaço de resistência, de divulgação cultural, de encontro das diversidades.
Há ainda um outro fator: nem todo sucesso de vendas da atualidade  o será daqui dois anos. De vez em quando as listas dos mais vendidos são preenchidas por três ou quatro escritores, sucessos absolutos que serão plenamente esquecidos pouco tempo depois. Isso é da lógica do mercado, a alta rotatividade de nomes − e perceber que Paulo Coelho consegue se manter há tanto tempo no topo só engrandece o seu trabalho, ao menos do ponto de vista comercial. Por outro lado, há quanto tempo temos leitores que se emocionam com Shakespeare, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Dante, cuja obra recentemente serviu de matéria-prima para um best seller de Dan Brown? Todos esses, e muitos outros, venderam pouco, às vezes foram completamente ignorados em vida, mas fazem parte do patrimônio cultural de um país, do mundo. Claro que o mercado não respeita muito isso de "patrimônio cultural", mas de vez em quando faz muito dinheiro indo beber justamente nessa fonte.
Por último, o que faz sucesso do ponto de vista comercial no Brasil pode naufragar no exterior, especialmente na Alemanha, enquanto o que resiste bravamente por aqui pode vir a ser um sucesso em outros países. Escritores brasileiros que não constam na lista dos best sellers já foram convidados para morar na Alemanha e escrever um livro por lá. Ignácio de Loyola Brandão, João Ubaldo Ribeiro e Fernando Bonassi, por exemplo, já foram agraciados com essa bolsa.
Embora a queixa de Paulo Coelho tenha algum sentido, ela foi exagerada e deu o tom de sua visão sobre literatura: um meio de vida, um negócio como outro qualquer. Toda aquela espiritualidade emanada das páginas de seus livros de repente foi substituída por uma coisa chamada disputa por território, briga para abocanhar uma fatia do mercado − e estamos falando de mercado também, ou o evento desencadeador da polêmica não se chamaria feira. Mas literatura, graças a Deus, não é só isso, e sempre é bom poder subverter a lógica do mercado dentro de um ambiente consumista. Foi feio ignorar os grandes vendedores de livros brasileiros, embora Mauricio de Sousa e Ziraldo, por exemplo, além de João Ubaldo Ribeiro, que para o espanto de muitos já vendeu milhões de livros; não doeria ter entre os escritores brasileiros algum autor de best sellers, até porque nem todos que estarão em Frankfurt são escritores exímios, não.

Fico pensando: será que o mago Paulo Coelho não acabou dando esse piti por perceber que não seria reverenciado como acha que merece pelos demais escritores que estarão por lá? Ele é leitor de Thalita Rebouças e Felipe Neto ou queria bancar o Robbin Rood das letras comerciais brasileiras? Especulações…   

terça-feira, outubro 01, 2013

Mudar de nome não vai adiantar



Não precisamos dizer que o senso comum traz alguns problemas significativos − isso também é um grande senso comum. Também não afirmaremos que o senso comum não é um mal em si mesmo e que ele tem sua função no pensamento humano − todos percebemos isso com facilidade. A questão é saber o lugar e a utilidade de cada coisa.
Desde quando me converti ao protestantismo ouço falar que o grande mal das religiões é a religião. Tá legal, não exatamente com essas palavras, mas, sem perceber, dizem exatamente isso. Entre as igrejas cristãs essa fala é muito comum. Demonizam o que chamam de religiosidade como se ela fosse o maior mal sobre a Terra. Sacralizam e dessacralizam coisas, hábitos, lugares, promovem uma verdadeira dança das cadeiras com relação a tudo que nos remete ao divino, com tudo que faz parte do âmbito religioso. Falar mal da religião virou o maior clichê inclusive entre os religiosos que têm vergonha de sê-lo.
Essa confusão, essa resistência em chamar qualquer prática religiosa de religiosa (eita ferro!) é bem comum entre os cristãos. Nas universidades, nos espaços acadêmicos, essa frescura não existe. Tudo que busca manter contato, entender, apreender aquilo que não está neste mundo real (no sentido de existir de fato, mais no sentido platônico, em oposição ao mundo ideal), concreto, visível, tangível, esquadrinhável, é chamado de religioso. Temos a filosofia da religião, as ciências da religião, a teologia entre elas, e tudo funciona sem crise, resistência, recusa. Só os religiosos não gostam do termo religião.
Isso acontece devido a vários fatores, desde a vergonha intelectual por fazer parte de algo que nem sempre é considerado sério e respeitável no meio acadêmico, seja por não querer ser comparado aos religiosos mais ingênuos e rústicos, ou aos mais nítidos estelionatários da fé que grassam em todo o Ocidente e ao menos em boa parte do Oriente também. Em muitos ambientes, a religião é o espaço dos tolos, dos menos privilegiados do ponto de vista intelectual, dos que aderem facilmente ao comportamento de rebanho. Ninguém que almeje o respeito acadêmico quer fazer parte de um rebanho.
Também existe, dentro de ambientes religiosos, os que afirmam não ser religiosos por identificarem neste contexto a repetição exaustiva de rituais, de práticas mecânicas que nada teriam a ver com o relacionamento direto e verdadeiro com o divino, com Deus propriamente dito. Esses acreditam não estar dentro de um contexto religioso porque, pensam, com eles a relação com o divino é tão genuína, tão intensa, tão corriqueira, tão honesta, tão cerebral, que não precisam de nenhum tipo de ritual, de nenhuma prática mecânica para se integrarem com Deus, que não está distante, mas bem aqui pertinho.
São estes dois modos de lidar com a religião fingindo que não. No segundo caso, muitos são os picaretas que fazem uso desse discurso, especialmente no meio evangélico, para poderem se separar das "outras religiões", especialmente do catolicismo, tão cheio de rituais e mediações. O curioso dessa visão de mundo é que justamente estes que tanto criticam a religiosidade que veem nos sacramentos, missas e feriados, práticas milenares da igreja católica, não passam muito tempo sem inventar os seus rituais pessoais, de acordo com seus interesses do momento. Multiplicam-se as fogueiras santas, os cultos de milagres, os jejuns da vitória, os cultos de libertação, as orações nos montes, os sete passos para o êxtase cósmico de Israel, a toalhinha suada de Emaús, o tijolinho da muralha de Jericó, o cheque voador da promessa, ou o cheque da promessa voadora… Para se libertarem da religiosidade e seus rituais, criam uma série de novos, ou melhor, de requentados expedientes religiosos, cada vez mais esdrúxulos.
Já no primeiro caso, a coisa assume uma complexidade maior, complexidade que nem sei se consigo desenvolver aqui com a clareza e competência necessárias. Mas ao menos um ponto me parece ser bem claro: há um grupo de religiosos que, consciente do preconceito que a religião sofre nos ambientes intelectuais, como por exemplo nas universidades e entre artistas, simplesmente prefere não receber o carimbo de "religioso", o que de imediato lhe traria a pecha de pouco inteligente, ingênuo, desinformado, alheio à ciência etc.
Esse grupo, que não enfrenta essa situação sem passar por uma crise, luta contra uma série de paradigmas e tenta agrupar em um mesmo balaio esferas da vida humana que ao longo da história se tornaram inconciliáveis. Se houve um tempo em que a ciência era desenvolvida e estimulada dentro da igreja, chegou um momento em que, para manter sua independência e seguir sua trajetória mais ou menos livre de intervenções e ideias pré-concebidas, a ciência em geral precisou romper com a tradição religiosa, o que, a meu ver, só fez bem a cientistas e religiosos.
Porém, ainda hoje há quem busque na ciência, digamos laica, pontos de apoio que sustentem a sua fé, ou que pretendem lidar com a teologia não como um recurso para lidar e entender um determinado tipo de fé, mas como se teologia fosse um mero ramo da filosofia − o que até pode ser verdade para os que não têm fé e se ocupam da teologia como um objeto de pesquisa. Todo esse esforço, me parece, tem o propósito de não ser confundido com os místicos desenfreados, ou com os estelionatários da fé. Barateiam a tradição e tentam romper com os rituais − acredito que não existe religião sem seus rituais e dogmas −, além de questionar praticamente tudo que faz parte da religião, pois se não são pessoas religiosas, não podem manter práticas religiosas.
Contudo, não há nada mais religioso do que o desejo de se comunicar com Deus, não há nada mais religioso do que acreditar em algo cuja existência e verossimilhança não se podem provar. Pecado, necessidade de redenção e justificação, crer na vida após a morte de modo a transformar a vida antes da morte, tudo isso não pode deixar de ser visto como práticas religiosas, porque o são. Encontrar novos nomes e mesmo novos meios de lidar com o divino não vai transformar a religião em outra coisa.
Sendo assim, o sacerdote que afirma deixar de ser evangélico para pregar o Evangelho para os evangélicos não vai além de um simples jogo de palavras, jogo, aliás, de pouco efeito prático. Evangélico, na essência do termo, é quem tem a preocupação de evangelizar. Cristão é quem segue a Cristo, suas ideias, seus mandamentos, além de crer na própria divindade do Messias. Evangélico não é, nunca foi, embora haja muita confusão, quem frequenta ou é membro de uma igreja que se apresenta como evangélica. Religioso não é apenas quem pratica uma série de rituais esvaziados de significado; este, no máximo, será um mau religioso, sem compreender o que está fazendo e, consequentemente, sem alcançar aquilo que tanto deseja.
Em vez de se preocupar em não ser identificado com esse ou aquele grupo, de se empenhar em fazer com que suas práticas religiosas sejam prestigiadas entre cientistas, por exemplo, vale mais o empenho em ser religioso e evangélico por inteiro, na essência que essas palavras carregam em si. Afinal, para quem acredita na mensagem de Cristo, os homens seguem precisando ser religados com Deus, ou seja, precisam conhecer as Boas Novas. Não são os nomes que precisam mudar: os mesmos nomes de sempre precisam resgatar seus significados originais, ou então, daqui a algum tempo, precisaremos criar novos nomes para esconder problemas antigos.

Quando o assunto é religião, repisar os clichês não vai nos ajudar. Falar mal da religião em geral e se afirmar não pertencente a um determinado grupo, almejando ser visto como alguém de casta superior, não combina com a mensagem do Evangelho e apenas confundirá ainda mais os que estão de fora. É preciso restaurar o que está quebrado, limpar o que está sujo, resgatar a coerência e o respeito perdidos. OU então, passaremos a vida inventando novos nomes para fraquezas antigas, novas túnicas para adornar vaidades eternas. Reconheçamos a degradação, mas busquemos a regeneração, assim como Jesus já fez por nós. Abandonemos o senso comum de que Jesus é bom, religião é ruim. Só de pensarmos em Jesus e de querermos nos aproximar dele já nos fazemos irreversivelmente religiosos − nos cabe apenas escolher entre a religiosidade sincera e autêntica e a religiosidade senso comum, fria, falsa, friável. 

Seguidores