E mais uma vez Paulo Coelho vira notícia. Um dos 70
escolhidos pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na Feira do
livro De Frankfurt, neste ano em que o Brasil será homenageado no principal
evento do mercado editorial mundial, o autor com fama de mago declinou do
convite para protestar contra a ausência de alguns dos principais campeões
brasileiros de tiragens. Nomes André Vianco, Thalita Rebouças e Felipe Neto
foram lembrados por Paulo Coelho como exemplo, entre muitos outros, de
escritores que verdadeiramente
representam o Brasil, justamente por serem os mais lidos da atualidade.
O raciocínio de Paulo Coelho é bastante lógico e coerente. A
própria ministra da cultura, Marta Suplicy, ao ser questionada sobre o número
muito pequeno de escritores negros e índios da delegação brasileira, disse que
a escolha dos nomes se deu por razões estéticas, não étnicas, e que a Feira do
livro de Frankfurt é um evento comercial. Ao tentar separar ética de etnia e
acabar embolando arte com mercado, o que a ministra fez foi misturar alhos com
bugalhos.
De fato, a Feira do livro de Frankfurt é realmente um enorme
balcão de negócios. Sendo assim, importa divulgar produtos que tenham reais
condições de alcançar sucesso comercial, e as grandes tiragens desses autores
aqui no Brasil e por vezes também no exterior, como é o flagrante caso do
próprio Paulo Coelho, não podem ser ignoradas. É uma oportunidade para fazer
dinheiro! Frankfurt, para muitos, é a Davos dos livros.
Paulo Coelho, de modo até mesmo um tanto grosseiro, o que,
até onde eu saiba, não é comum, o que revelou que o escritor está realmente
irritado com a situação, chegou a afirmar que sequer conhecia a maioria dos
escritores que estavam presentes na lista. Segundo li em algum lugar, todos os
70 convidados já foram traduzidos para o alemão, o que não deixou de ser um
critério, condição básica de qualquer lista − outro quesito obrigatório de
qualquer lista desse tipo é a polêmica instaurada logo sua divulgação.
Paulo Coelho talvez esteja um pouco mal informado sobre seus
colegas escritores brasileiros, posto que muitos são nomes correntes nas
páginas culturais de jornais e revistas, embora boa parte deles mantenha
tiragens tão pequenas que chegam a ser ridículas, se comparadas a qualquer
escritor que fale de zumbis, anjos, vampiros ou autoajuda. Em todo caso, a
desinformação do autor de Diário de um
mago vem corroborar o que já percebi há algum tempo: Paulo Coelho não é um
leitor ferrenho de literatura, haja vista seus depoimentos autofágicos que
costumam falar muito de si mesmo, de seu sucesso, sua grana, as festas que
frequenta, as celebridades que leem seus livros etc.
Recentemente, lançou um livro com o mesmo título de um
clássico de Jorge Luis Borges, O Aleph,
e escreveu um conto que pretendia
dialogar com a obra do magistral escritor argentino. Tratou-se de uma tentativa
de aproximação com universo literário que em geral, Paulo Coelho ignora e é
ignorado por ele. Todo esforço por parte do mago para conquistar seu lugar,
digamos, nas aulas da FFLCH, não pela via comum e obrigatória da leitura dos
clássicos, mas por micagens como a que promoveu com Borges, ou pela eleição
para a Academia Brasileira de Letras, deram o resultado esperado.
Acredito, sem cinismo algum, que em eventos como a Feira do
livro de Frankfurt não se pode ignorar Paulo Coelho, Raphael Draccon, Eduardo
Sphor e outros campeões de vendas. Afinal de contas, eles escrevem livros por
editoras e têm público: são, portanto, produtores de livros com enorme
potencial de mercado, o que serve, inclusive, para manter as editoras abertas e
as feiras de livros ao redor do mundo funcionando. Aliás, a academia ganharia
muito mais se desse alguma atenção a esses livros do que se insistir em os
ignorar. Embora discorde que esses autores formem leitores, pois um leitor
"formado", ou em constante formação, é aquele que consegue lidar com
diversos gêneros e modalidades literárias, e não o leitor monofônico que busca
nos livros um eterno estilo próximo do cinema ou da televisão, ou ler sempre as
mesmas histórias com personagens diferentes, ora bruxos, ora anjos, ora
vampiros, ora castores…
Por outro lado, quem tem o luxo de viver dos livros, e dos
livros literários, não pode, por uma série de motivos, se dar à pobreza de
espírito de lidar apenas com livros vendáveis. Em primeiro lugar porque os
livros que não vendem aos montes também são formadores de leitores, abrem
possibilidades para que pessoas com necessidades estéticas diferentes sejam
contempladas − se há quem reclame quando uma determinada marca de iogurte sai
de circulação, como desprezar os escritores que vendem pouco? Em segundo lugar
porque é nosso dever não nos pautarmos apenas no que o mercado impõe, até porque
muito do que é oferecido, bombardeado pelo mercado, seja uma roupa, seja um
livro, seja um iogurte, é de qualidade questionável, empobrecedor, de baixo
relevo. E feiras como a de Frankfurt podem ser ao mesmo tempo um enorme balcão
de negócios e um espaço de resistência, de divulgação cultural, de encontro das
diversidades.
Há ainda um outro fator: nem todo sucesso de vendas da
atualidade o será daqui dois anos. De
vez em quando as listas dos mais vendidos são preenchidas por três ou quatro
escritores, sucessos absolutos que serão plenamente esquecidos pouco tempo
depois. Isso é da lógica do mercado, a alta rotatividade de nomes − e perceber
que Paulo Coelho consegue se manter há tanto tempo no topo só engrandece o seu
trabalho, ao menos do ponto de vista comercial. Por outro lado, há quanto tempo
temos leitores que se emocionam com Shakespeare, Machado de Assis, Carlos Drummond
de Andrade, Dante, cuja obra recentemente serviu de matéria-prima para um best seller de Dan Brown? Todos esses, e
muitos outros, venderam pouco, às vezes foram completamente ignorados em vida,
mas fazem parte do patrimônio cultural de um país, do mundo. Claro que o
mercado não respeita muito isso de "patrimônio cultural", mas de vez
em quando faz muito dinheiro indo beber justamente nessa fonte.
Por último, o que faz sucesso do ponto de vista comercial no
Brasil pode naufragar no exterior, especialmente na Alemanha, enquanto o que
resiste bravamente por aqui pode vir a ser um sucesso em outros países.
Escritores brasileiros que não constam na lista dos best sellers já foram convidados para morar na Alemanha e escrever
um livro por lá. Ignácio de Loyola Brandão, João Ubaldo Ribeiro e Fernando
Bonassi, por exemplo, já foram agraciados com essa bolsa.
Embora a queixa de Paulo Coelho tenha algum sentido, ela foi
exagerada e deu o tom de sua visão sobre literatura: um meio de vida, um
negócio como outro qualquer. Toda aquela espiritualidade emanada das páginas de
seus livros de repente foi substituída por uma coisa chamada disputa por
território, briga para abocanhar uma fatia do mercado − e estamos falando de
mercado também, ou o evento desencadeador da polêmica não se chamaria feira. Mas literatura, graças a Deus,
não é só isso, e sempre é bom poder subverter a lógica do mercado dentro de um
ambiente consumista. Foi feio ignorar os grandes vendedores de livros
brasileiros, embora Mauricio de Sousa e Ziraldo, por exemplo, além de João Ubaldo
Ribeiro, que para o espanto de muitos já vendeu milhões de livros; não doeria
ter entre os escritores brasileiros algum autor de best sellers, até porque nem todos que estarão em Frankfurt são
escritores exímios, não.
Fico pensando: será que o mago Paulo Coelho não acabou dando
esse piti por perceber que não seria reverenciado como acha que merece pelos
demais escritores que estarão por lá? Ele é leitor de Thalita Rebouças e Felipe
Neto ou queria bancar o Robbin Rood das letras comerciais brasileiras?
Especulações…
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