Antes de mais nada, preciso dizer que este foi um dos textos
mais difíceis que já escrevi. A necessidade de falar sobre algo era intensa,
mas a organização das palavras era incerta, confusa. Talvez melhor fosse me
calar , o assunto já está esfriando, mesmo. Não consegui.
Começo dizendo que achei o show da Legião Urbana – ou do que
restou dela – com a participação de Wagner Moura, muito legal, juro. Emocionante,
inesquecível. Quando a banda ainda existia de verdade, eles não costumavam fazer
muitas apresentações Quando Renato Russo morreu, os outros integrantes sabiamente
enfiaram viola e baqueta no saco, indo cada um viver sua vida, sem querer viver
de um passado glorioso. Foram dignos.
Aí veio esse tributo com Wagner Moura. Confesso que achei a
coisa esdrúxula. Mas o ator não subiu ao palco no posto de celebridade descascada:
era um fã a ponto de explodir de felicidade por ter o privilégio de tocar com
seus ídolos. O cara estava lá nos representando, a nós que gostaríamos de estar
no palco com a Legião Urbana, mesmo sem haver motivo algum para que essa Jam acontecesse. Sem pose, sem máscara, sem
estar preocupado em fazer bonito, apenas curtindo, deixando clara sua admiração
e respeito, Wagner Moura também foi digno.
Sei que muita gente detesta Legião e que se Renato Russo
ressuscitasse, o show também seria algo ridículo e desnecessário. Eu sou fã
desde as primeiras horas e reconheço que muitas canções da banda me embalaram a
vida, me fizeram suportar a adolescência espinhosa, o mundo violento e frio,
mas cheio de virtudes, os amores que dilaceravam saborosamente. É que
antigamente a adolescência era uma coisa difícil, esquiva, úmida, gordurosa, e
não a caixa de lápis de cor saltitantes dos dias atuais, tampouco um eterno
chororô sem sentido; lembrando um verso de Renato Russo, a lágrima era
verdadeira.
Sei que a obra da Legião Urbana, como aliás, acontece com praticamente
todos os poetas geniais, é irregular. Mas com Andrea Dória (nada mais vai me ferir/que eu já me acostumei/com a
estrada errada que eu segui), Índios (uma
das primeiras canções que me fez pensar, e não apenas repetir um refrão), Geração Coca-Cola (vamos cuspir de volta o lixo em cima de
vocês!), ou como Sereníssima, 1965 (duas tribos) entre muitas outras,
os caras entraram pra nossa história cultural, gostem ou não. O lastro dessa
obra permite escorregões sentimentosas como É
preciso amar (Áár) as pessoas como se não houvesse amanhã. A quantidade de
pequenas genialidades, de poéticas verdades, como Perfeição, ou na brilhante – isso mesmo, brilhante! – junção do
soneto camoniano com os versículos bíblicos de Monte Castelo exige: e respeite
quem soube chegar aonde eles chegaram.
Ninguém, ao comentar o show-tributo, deve falar em desafinações,
pois aquilo era rock: nesse campo, quando tudo dá certo, a performance vale bem
menos do que a atmosfera alcançada, as verdades cantadas, embora não seja pecado
acertar o tom. Então, por que chamaram o Wagner Moura?
Sim, o cara é um fã honesto, e chamá-lo evitou ciumeiras, ou
um desfile de gente afetadinha falando que era fã do Renato, que era amigo do
Renato etc. Será que foi apenas por isso?
Um dos motivos, talvez o mais relevante, creio que foi pegar
emprestada a credibilidade do ator. Tudo que é feito por Wagner Moura vira notícia,
ganha etiqueta de grife. A Legião Urbana já é uma grife, mas um show a essa
altura do campeonato resvala na
bizarrice, por ais direito que Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos tenham o
direito de falar em nome da banda, eles são a banda, ou boa parte dela. O ator
mais badalado do momento foi um ótimo chamariz – eles precisavam de chamariz? –
foi um fato novo, colocou um fã legítimo no palco, dividiu aquele privilégio
entre todos nós, mas a coisa toda continuou muito esquisita, para alguns - não para mim, ressalto - foi quase uma autoprofanação por parte da Legião.
A presença de Wagner Moura no show da Legião Urbana confirma
duas coisas: a primeira, que o forte da cultura brasileira atualmente não está
na música – ou um cantor jovem e respeitado poderia fazer a presença no palco. Talvez
Cassia Eller, mas ela já partiu há dez anos. Preferiram um ator a um “cantor de
ofício”, inverteram as posições, como vemos de vez em quando no futebol.
A outra certeza que o show nos deus – ao que consta, Wagner
Moura sequer era amigo de Bonfá e Dado – é que o ator é o Caetano Veloso da
atualidade. É o grande referencial cultural, o homem cujas opiniões e passos
são sempre relevantes.
Caetano Veloso é um dos maiores compositores, um dos maiores
artistas da história do Brasil. Wagner Moura caminha para ser um dos maiores,
talvez o maior ator brasileiro. Se ambos usassem todo prestígio conquistado
legitimamente em coisas mais relevantes, e não se vissem envolvidos em
situações polêmicas...
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