Todo artista começa sua trajetória após ser alcançado por
outro artista que o antecedeu; ninguém parte do zero.
O artista que chega causando espécie e impressionando pela
originalidade, normalmente, experimentou, trabalhou muito antes de “surgir”. Isso
quando não foi moldado em escritórios e estúdios para atender a uma demanda de
mercado, mas nesses casos trata-se de algo entre uma enganação ou um exagero
midiático. Às vezes, o artista tem um talento instintivo, mas aí trata-se de um
caso raro; quem chega ao inferno, quase sempre é conduzido pela mão de algum
Virgílio, algum Dante, levando consigo toda esperança.
A personalidade artística autêntica não é forjada em duas ou
três pinceladas, em dois acordes, em meia dúzia de estrofes. Ela vai sendo
montada a cada tentativa, a cada esbarrão, a cada improviso, a cada derrapada, a
cada cálculo, a cada achado. De vez em quando, um artista chega à conclusão de
que já atingiu seu ápice, ou que, tristeza, perdeu a vontade criativa, o talento.
Alguns, quando chegam nesse estágio, são honestos o suficiente para colocar um
ponto final em sua obra; outros se cristalizam, repetem fórmulas, não por ainda
acreditarem nelas, não por uma obsessão pessoal, mas para não perder a
boquinha. Ou ainda, o que pode ser bem menos louvável, buscam repetir, copiar,
macaquear ondas que estão em maior evidência. Raramente o resultado fica além
do constrangedor.
Os primeiros poemas, as primeiras músicas criadas pela
humanidade foram meras imitações de ritmos da natureza, do ruído desagradável
das ferramentas rústicas de trabalho; a originalidade mora na filosofia de
misturar, embaralhar ou de se opor ao que já existe. De qualquer jeito, sempre há
a presença de um outro, e isso desde o início.
Quem é imitado precisa lidar com dois sentimentos bem
distintos: o primeiro, é a vaidade que qualquer tipo de admiração gera; o
segundo é o desgosto de perceber que alguém tenta embarcar em seu talento, falsificar
sua assinatura. A cópia também pode significar menos negócios, por haver um genérico
mais em conta no mercado. Entre a vaidade de ser imitado e a irritação de
deparar com uma concorrência desleal, cabe a quem é copiado se lembrar que
também já imitou alguém em algum momento e ter paciência quando o “fã” não é
desonesto. Afinal de contas, todos nós lidamos com a “angústia da influência”.
Como exemplo cito três escritores que são verdadeiras
matrizes geradoras, todos, coincidentemente, mineiros. O primeiro é o poeta
Carlos Drummond de Andrade. Sua obra foi tão marcante entre nós, que verdadeiras
legiões de poetas bebem gulosamente seus versos, querem ser como ele. Creio que
pouquíssimos imitadores de Drummond conseguiram chegar a algum lugar de
destaque. E isso justamente porque queriam ser como ele, não problematizavam a
admiração, não saíram daquela fase juvenil em que os amantes da poesia copiam
poemas em cadernos escolares ou nas redes sociais: não deixaram de fazer
decalques.
Outro autor-matriz é Guimarães Rosa. Depois de sua prosa
inventiva, parabólica, de palavras “quase inventadas”, vários escritores
quiseram fazer coisa semelhante. Muitos deles, talentosos ou não, em sua ânsia
inventiva, não foram muito além da soldagem de palavras, ou da troca meio sem
critério de prefixos e sufixos, não raro para esconder a fraqueza de suas narrativas.
O terceiro mineiro é Rubem Fonseca. Sua prosa urbana, seca, entre
policial e cômica, muitas vezes com personagens deslocadas, pobres, “estranhas
criaturas”, teve um efeito bem arrasador entre os escritores. Muita gente boa
bate continência ao Zé Rubem, muita gente começou a escrever sobre travestis,
traficantes, policiais e prostitutas, almejando ser como o mestre. Mas muita
gente perdida pensou trilhar os passos do autor de Agosto e não coisa que prestasse. Usar palavrão, por exemplo,
passou a ser o “recurso estilístico” mais desgastado entre nós.
Ser imitado, como já disse, não deixa de ser uma honra. É
sinal, sim, de reconhecimento. Agora, quando surge um artista que consegue
imitar sua influência à perfeição, deve soar a sirene de alerta. Djavan, por
exemplo, artista bastante original (que bebeu em fontes de sambistas, da bossa
nova, do jazz e de Luiz Gonzaga) de vez em quando é decalcado por alguém, mas
até hoje ninguém chegou muito perto de seu talento, tanto que os adeptos do transfer ou desaparecem ou viram outra
coisa, muitas vezes bem diferente. As letras originais de Djavan, que se casam
com a melodia e criam significados, quando imitadas, não passam de garatujas.
Roberto Carlos foi imitado por exércitos de cantores, alguns com relativo
sucesso, mas que hoje em dia estão restritos a algumas casas de lazer com luzes
vermelhas nas portas. Renato Russo e sua banda foi imitado, mas ninguém
atualmente é sequer lembrado (“missionários de um mundo pagão”).
Ana Carolina, Cassia Eller e Zélia Duncan são bastante
imitadas, mas é fácil perceber a diferença entre elas – independente de
gostarmos do conjunto de suas obras – e as tolinhas que entoam com vozes graves
seus cantos cafonas.
Ano passado, havia uma canção bastante presente no rádio que
lembrava em tudo, arranjo, melodia, letra e principalmente timbre da voz, uma
famosa cantora brasileira. Fiquei na dúvida: será que é aquela, que já há algum
tempo não lança disco? Resolveu aparecer? Como sou fã dessa cantora, fiquei na
expectativa.
Quando descobri que aquela canção era de uma outra cantora
ainda não famosa, fui atrás de alguma coisa na internet. As outras canções que
achei da moça em nada se pareciam com a cópia que ela, seus produtores,
empresários e sei lá mais quem, resolveram fazer da cantora famosa.
Fiquei com a impressão de que a moça era uma picareta.
Porém, também fiquei com uma indagação: se ela conseguiu imitar a original ao
ponto de deixar um fã em dúvida, é porque a fórmula já estava bem manjada. Era
hora de mudar, afinal, artista que é imitado à perfeição não apenas caiu no
gosto popular: ficou previsível, óbvio, deixou de arriscar.
E não é que veio o disco novo da cantora imitada e as
canções são exatamente iguais as que ouvimos em outros carnavais? Nesse caso, a
impostora picareta que tenta passar por outra cantora não é a única farsante...
2 comentários:
Grande texto! Embora,conhecendo o amigo, acredito que foi econômico em sua crítica.
A questão, em alguns casos, é o propósito determinado; cópia, criação ou citação.
O que vimos na última semana,não fez bem, cópia, pois estava longe de lembrar, não citou, pois faltou conteúdo para tal. Mas, criou. Sim! Criou constrangimento e dúvida. A dúvida, muito bem, ressaltada em seu título.
Um abraço.
Grande texto! Embora,conhecendo o amigo, acredito que foi econômico em sua crítica.
A questão, em alguns casos, é o propósito determinado; cópia, criação ou citação.
O que vimos na última semana,não fez bem, cópia, pois estava longe de lembrar, não citou, pois faltou conteúdo para tal. Mas, criou. Sim! Criou constrangimento e dúvida. A dúvida, muito bem, ressaltada em seu título.
Um abraço.
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