Dia desses, a respeito do craque santista Giovanni, que
jogou no Barcelona nos anos 90, escrevi que técnica sem poesia, é coisa de
"operários, maquinistas". A seleção da Espanha dos últimos seis anos
foi um time inquestionável; com jogadores habilidosos do calibre de Xavi,
Iniesta… e quem mais, mesmo?
O time da Espanha, assim como o do Barcelona, não deixando
de lado que o clube pode contar com uma série de jogadores estrangeiros, como
Neymar e um tal de Messi, era composto de muitos operários e maquinistas,
empenhados, competentes, mas incapazes de fazer algo fora do manual.
Muita gente achou que faltou humildade e sobrou arrogância
ao elenco e ao técnico. Pode ser verdade, mas outra coisa muito importante se
passou com essa equipe que fez história. Eles acreditam tão apaixonadamente no
estilo de jogo que os consagrou, que são simplesmente incapazes de fazer algo
diferente quando algo dá errado. A crença quase religiosa no esquema tático
consagrado, o tal "tik, taka", foi a razão da glória e do ocaso da
Espanha. A derrota de hoje não apaga os méritos das conquistas recentes. Mas será
que ficará algum legado?
A geração vitoriosa da Espanha conta com jogadores excepcionais,
mas, que me perdoem os especialistas do assunto, não tem um craque. Não tem um
cara capaz de fugir do roteiro, de improvisar, de surpreender. No jogo que
talvez tenha decretado o fim de uma era, contra o Chile, os espanhóis perdiam
chances claras de concluir porque exageravam na troca de passes, até perderem o
melhor momento para o arremate, até serem desarmados. Quando tentavam agir de
modo mais agudo, enfático, davam chutões da defesa para o ataque, cruzamentos
afoitos, uma coisa pavorosa.
O alto nível técnico da Espanha, que encantou ou matou de
tédio o mundo, foi eficiente enquanto não foi entendido e absorvido pelos
adversários. Encaixotados, marcados sob pressão, a técnica sozinha, que já
venceu um Mundial e duas Eurocopas, submergiu. Até que demorou muito.
O Barcelona, o Real Madrid e times medianos e até da segunda
divisão espanhola, podem contratar craques. Os clubes espanhóis não formam
craques, e a seleção, no máximo, conta com alguns jogadores competentes que se
naturalizam por razões profissionais. Não dá tão certo assim, ou porque os
expatriados nem são tão competentes assim, ou porque não conseguem se envolver
sanguineamente com a seleção de um país que não é o seu. Empatia também pode
fazer muita diferença.
O Brasil é desses países que, de vez em quando, vê surgir um
craque. Quando consegue associar o treino, a técnica e a arte, quando combina
operários, maquinistas e gênios, fica perto da perfeição. Em 2010, Dunga
preferiu levar maquinistas, gladiadores, mas desprezou os craques e passou
vergonha. Em 2014, a escassez de craques, a má fase de muitos jogadores
especiais, levou a uma convocação quase unânime (portanto, perto da burrice),
previsível e manjada. Sem buscar algo novo, surpresas, irreverência, temos tudo
pra ficar no caminho, assim como já ficou a seleção espanhola.
Deixando saudades ou não, esta geração de competentes
jogadores espanhóis se despede. Merecem respeito, entraram pra história, mas
deixaram o caminho livre para as seleções que pretendem construir o presente. Vamos
aguardar.
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