A lição que ninguém aprendeu
Talvez surjam pessoas dizendo que Nelson Mandela (1918-2013)
não foi nenhum pacifista, que sob seu comando a África do Sul caiu em uma crise
econômica profunda, que seu esforço para superar o apartheid não passou de uma
estratégia para atrair investidores e nada mais. Lembrarão de seu passado (a partir
de agora, tudo que falarem de Mandela será passado?) de guerrilheiro, falarão
de sua amizade "suspeita" com Fidel Castro e outros ditadores.
Mas a verdade é que bem antes de morrer Mandela já virara um
ícone, uma unanimidade. Mais provável mesmo é que Mandela seja decididamente
uma unanimidade e, como acontece com as unanimidades, muitas vezes mal-interpretado.
O maior legado de Mandela, ao seu país e ao mundo, foi a
lição suprema do perdão. Lição difícil, aprendida e acalentada durante 27 anos
de prisão, sob trabalhos forçados. O maior crime cometido por Mandela, e por
tantos outros daquele país, não foram atos de terrorismo, não foi a corrupção,
não foi sequestro seguido de morte, tráfico de drogas ou de influência: foi não
aceitar um sistema político que separava o povo entre brancos privilegiados e
negros excluídos, foi acreditar na igualdade, foi lutar pelos seus pares.
No Brasil, não é fácil para nós entender o que foi o
apartheid, pois por aqui o racismo é velado e cínico. Mesmo assim, a imensa
maioria vê Mandela como herói. Muitos lamentaram e lamentarão sua morte, no
entanto, poucos seguirão seu ensinamento. Perdão é palavra fora de moda, o que
é bem compreensível, pois o excesso de impunidade sufoca as possibilidades para
o perdão. Quando criminosos e malfeitores riem da nossa cara, falar em perdão
vira afronta. O que as pessoas querem, o tempo todo, nas formas mais violentas
e degradantes possíveis, é a vingança.
Mas o perdão não é apenas um ato de nobreza e abnegação. Não
é um atestado de santidade ou fraqueza. O perdão pode ser uma estratégia
política, pode ser um passo importante para uma sociedade construir um futuro
mais próspero, livre de revanchismo. Enquanto Mandela buscou o diálogo com quem
o prendeu e humilhou, impediu que o rancor se tornasse política de estado,
ainda que tivesse todos os motivos para devolver aos defensores e beneficiários
do apartheid ao menos um pouco do sofrimento que essa política repugnante impôs
à maioria negra sul-africana.
É pena que atualmente, ao menos no Brasil, perdão seja uma
ideia sem sentido, é lamentável que após tantos anos de impunidade, perdão seja
quase sinônimo de injustiça, e que justiça se confunda com vingança. Mandela
entrará para a história como um homem admirável − até quando, não sabemos − mas
a sua maior lição ainda não foi aprendida.
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