Alguns meses atrás, exumaram o cadáver da polêmica entre
Paulo Coelho e a crítica literária.
Entre frases desagradáveis e textos "acadêmicos", como um que saiu na
Folha, do sociólogo Fernando Antonio Pinheiro, nada de novo no Caminho de
Santiago.
Toda essa balbúrdia literária chegaria a um fim se cada um
ficasse em seu lugar. Muita gente esperneia a falta de reconhecimento do
talento literário de Paulo Coelho ao mesmo tempo em que empinam seus narizes e
afirmam que a crítica não serve pra
nada, é burra, preconceituosa, elitista, redundante e que o mago não precisa
dela pra nada. Ora, eu não me preocupo com o reconhecimento de quem não admiro,
não respeito e cujo trabalho não me parece sequer útil. De todas essas
afirmações que soam democráticas, libertárias e modernas, a única que me faz
sentido, que é realmente verdadeira: Paulo Coelho não precisa, nunca precisou
da crítica. Justamente por não precisar dela, por vender muito bem sem apoio cultural ou resenhas simpáticas,
não faz sentido que as pessoas se incomodem com a torcida de narizes que os
acadêmicos dão. Cada um seu canto, cada coisa em seu lugar. Aliás, Raquel Cozer
já divulgou em seu blog texto baseado em pesquisa que afirma: resenhas e
matérias nas páginas culturais de revistas e jornais ajudam muito pouco a
vender livros.
Não sei se algum crítico sobre a crítica que ignora Paulo
Coelho já procurou saber por que o bruxo não faz o mesmo sucesso na academia
(não digo na ABL) que faz nos saguões de aeroportos, na internet, nas
livrarias, no Irã. Chamar um grupo inteiro de profissionais, intelectuais,
estudiosos da literatura, grupo bem heterogêneo que, apesar de relativamente
pequeno, abarca diversas linhas de pesquisa e posições ideológicas, de
preconceituoso, burro e elitista, pra mim, é uma postura preconceituosa, burra
e "popularista". Há algumas razões para Paulo Coelho não fazer
repercutir seu estrondoso sucesso nas salas de aula, nos gabinetes. Procurem
saber!
Digo aqui uma que percebo de longe e de há muito: os livros
de Paulo Coelho "problematizam pouco". O que quero dizer com isso?
Que eles, em sua simplicidade, singeleza, em suas parábolas diretas, em suas
comparações explícitas, em seu enredo de fácil assimilação, em suas lições de
alcance universal, não oferece muito espaço para explorações, análises, interpretações.
Estou certo de que esses recursos são intencionais e que o autor busca com eles
alcançar um grande número de leitores, muitos deles pouco afeitos com outros
tipos de literatura. Não há pecado algum nisso, e se o cara não fosse bom no
que faz, não teria o sucesso que alcançou. Agora, esperar que estudiosos da
literatura tenham obrigação de reconhecer o talento "indiscutível" de
Paulo Coelho é demais. Há entre professores de literatura e críticos quem
discorde sobre o talento e a genialidade de Machado de Assis, de Guimarães
Rosa, José de Alencar, Drummond, Oswald de Andrade, Rubem Fonseca, Dalton
Trevisan, Paulo Leminski, Lima Barreto, Ferreira Gullar, Luis Fernando
Veríssimo, Manuel Antônio de Almeida, Clarice Lispector, Murilo Mendes, Lygia
Fagundes Telles, isso para ficar apenas entre os brasileiros. Por que Paulo
Coelho deveria ser alçado automaticamente do sucesso na livraria para o sucesso
acadêmico?
Aí o defensor de Paulo Coelho dirá, com razão, que todos os
autores citados acima − eu gosto de alguns, desgosto de outros − têm seus
defensores e detratores, enquanto Paulo Coelho só tem detratores. Que estranha
unanimidade seria essa que irmana toda a crítica brasileira − a ignorância no
assunto me faz desconhecer se a unanimidade entre os críticos é universal − contra
o autor de O alquimista? Não creio na
unanimidade sobre Paulo Coelho: é possível que haja professores universitários
dos cursos de Letras que sejam admiradores de Brida ou do Diário de um mago.
Nem por isso, até agora, houve um grande movimento no sentido de analisar sua
obra, pelas razões que já dei acima. Enquanto Machado de Assis produz frases
famosas, como "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis",
para citar uma fala célebre, criativa, irônica, famosa, entre tantas outras que
poderíamos usar, Paulo Coelho escreve "Quando você realmente deseja uma
coisa, todo universo conspira ao seu favor", que, cá pra nós, não é nenhum
exemplo de frase lapidada e sequer deve ser levada a sério fora dos círculos da
teologia da prosperidade ou das editorias de autoajuda.
Um outro motivo para não vermos uma fortuna crítica de peso
sobre Paulo Coelho é que ele não tem uma obra literária de vulto (pronto, falei). Seus livros
são quase sempre histórias para "aquecer o coração do leitor", pano
de fundo para que frases de efeito e fórmulas de autoajuda ganhem algum
destaque. Olha só: "Não tenha medo do sofrimento, pois nenhum coração
jamais sofreu quando foi em busca dos seus sonhos". Não tem muito cabimento dizer que Paulo Coelho faz uso do senso comum de forma "consciente" para justamente "criticar" o senso comum, enquanto conquista um número de maior de leitores e espalha sua mensagem de paz e fraternidade entre os mansos da terra.
Confesso que as frases foram colhidas na internet e que
podem muito bem ser apócrifas. Mas vai me dizer que isso faz mesmo alguma
diferença? Quem é fã de Paulo Coelho não é porque vê em seus livro alguma
semelhança com Shakespeare, Thomas Mann ou Borges: são fãs por causa
dos livros que o próprio Paulo Coelho escreveu. E nem cola aquele papo batido
de que o cara começa lendo livros do bruxo pra depois ler Dostoiévski: Paulo
Coelho amortece o sofrimento com doses de ilusão, o gênio russo nos choca com a
miséria da condição humana. Cada um escolhe suas armas para suportar a
existência humana, uns repetindo mantras fofinhos, outros tomando consciência da
dor universal, para depois lidar com ela. Uns gostam, precisam da surpresa escondida
na arte (ler Adorno), outros querem apenas relaxar com a previsibilidade. Cada universo,
suas regras, seus antagonistas.
Nem todo sincretismo é legal. Então, aos coelhistas, peço
que não cacem chifres em ovo, tampouco cabelo em testa de cavalo: ou não
existem, ou os há em tamanha quantidade que denunciá-lo é a mais infrutífera
das decisões.
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