Dominguinhos manejava a sanfona de um jeito tão tocante que
doía na gente, tamanha a beleza de suas composições, de suas interpretações. Por
isso estamos tão tristes.
Parte de uma tradição da música brasileira que vem sendo aos
pouquinhos dilacerada e esquecida, aquela cujos artistas têm o que dizer, com
seu jeito bonachão, Dominguinhos construiu, sem um pingo de afetação, sem o
pedantismo que infecta quase todos os "pensantes" brasileiros, uma
obra popular elevadíssima.
Único herdeiro musical de Luiz Gonzaga, mas sem nunca querer
ocupar o lugar de rei ou príncipe do baião, sempre generoso com os artistas que
o sucederam, sem discriminar sequer os embusteiros do chamado forró
universitário, aquele forró sem raiz nem seiva, Dominguinhos contribuiu para o cancioneiro
nacional com algumas das canções mais tocantes que eu conheço, dessas que ao
ouvir, o cabra pode até ser valente, mas chora.
Onde ele buscava aquelas notas, como aprendeu a combiná-las
em acordes, melodias, arranjos tão especiais? Acho que é da própria terra onde
ele nasceu. Sim, porque o Nordeste não dá ao mundo apenas coronéis, políticos
corruptos e homens endurecidos pela seca e pela violência que recebem de
patrões e do governo: também gera filhos de sensibilidade e humor refinadíssimos.
Tenho muitos parentes que, sem ter o talento de Dominguinhos, que esse é único,
são tão bonachões e bem-humorados quanto o eterno Neném, apelido de família e
como Dominguinhos era chamado por Luiz Gonzaga. Acho que também vem de sua
criação e história pessoal o dom de falar da saudade com tanta poesia, seja no
timbre da voz, seja no resfolego da sanfona.
No fim da vida, Dominguinhos sofreu muito, por causa de uma
doença cruel − a prova de que a morte não respeita os homens bons. Muitas foram
as orações, as promessas e súplicas para que ele se recuperasse − prova de que
nem sempre conseguimos concordar com Deus.
Pra completar a tristeza, hoje o frio está mórbido em São
Paulo. E não há fogueira de São João que possa nos aquecer ou consolar. O que
nos resta, sem consolar, é lamentar. Dominguinhos: é duro ficar sem você.
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