O "preço da liberdade", ou
melhor, a sucessão de trapalhadas ingênuas veio dar nisso: acusação de danos ao
patrimônio, pichação, desobediência judicial e formação de quadrilha. Ainda que
eu particularmente considere inadmissível que estudantes da maior universidade
do país, especialmente os das Ciências Humanas, caiam em esparrelas como os
discursos do tipo "tomando a reitoria de volta para o povo", ou que
eles realmente acreditassem que estavam fazendo − o próximo passo, qual seria?
Tomar as sedes da Coca-cola e da Apple no Brasil? Estatizar a Zara? − fico
temeroso de ver acusações tão graves, e especialmente com o que pode acontecer
com o desfecho do processo.
Caminhamos para a
ridicularização/criminalização de qualquer revindicação estudantil, o que
é gravíssimo. Lembro que em 2002, após alguns anos de sucateamento do ensino
superior paulista executado pelos governos do PMDB e do Covas −sim, o Covas deu
várias vaciladas − havia um déficit de mais de uma centena de professores
apenas na FFLCH. O que promoveu um processo de mudança que levou à contratação
de vários professores foi uma greve de estudantes bem sucedida.
Acho mesmo uma afronta uma promotora
chamar os estudantes de bandidos, mas, ao menos para mim, está claro que os
cordeirinhos que achavam revolucionários eram tangidos por corvos, e esses
corvos acham e colocam na cabeça dos cordeirinhos que flertar com a
criminalidade tem lá o seu glamour. Não tem mais, estamos em um estado
democrático. Se a escolha do reitor Rodas foi um ato contra a democracia
promovido pelo Serra e corroborado pelo Alckmin, do que nenhum animal racional
pode discordar, os meios para reverter a situação deveriam respeitar as regras,
e não servir de munição para que a opinião pública se voltasse contra os
estudantes da USP. Na verdade, alguns inocentes úteis desejaram o confronto,
queriam ser retirados pela polícia debaixo de cassetete mesmo, aparecer na
televisão como vítimas da repressão. Entre os policiais, bem sabemos, havia os
que estavam mordendo os lábios, morrendo de vontade de descer a borracha
naquele bando de "filhinhos de papai, que choram de barriga cheia e querem
mesmo é fumar maconha sem serem incomodados".
Quem é da comunidade da USP sabe que as
reivindicações iam além da questão da maconha no campus, mas o mundo assistiu a
uma revolta de noias. E não é verdade que a culpa disso é da mídia, ela apenas
tirou proveito do farto material cedido pelos próprios manifestantes.
Também acho triste ver boa parte da
sociedade curtindo ver os estudantes em maus lençóis, por rancor, por inveja,
por revanche, por saudades da ditadura, por não se identificar com eles. A USP
vem se acostumando a não interagir com a comunidade como deveria. Nossos
filhos, vizinhos alunos, colegas, não estudam lá, mas pagam salários e verbas
que mantêm aquela joça funcionando! Rodas e seus antecessores boicotaram o
projeto inicial da linha amarela do metrô que previa duas estações dentro da
Cidade Universitária, com medo de "gente diferenciada" ter acesso
facilitado ao campus. Rodas e seus antecessores promovem "desmatamento
legalizado" mas imoral e desnecessário dentro da Cidade Universitária.
Rodas limita a entrada de pessoas que não são da "comunidade USP" no
campus e quando pedem ajuda da polícia é pra caçar ponta de baseado em mochila
e revistar pessoas com "perfil suspeito", como negros, mestiços e
estudantes que usam "roupas de maconheiro".
Tudo isso nos dá uma certeza. Após a
redemocratização do país, nunca foi tão necessário um movimento estudantil
forte em todos os níveis da educação oficial. Um movimento estudantil altamente
politizado e baixamente partidário. Politizado para que grêmios, centros
acadêmicos e DCE's não se tornem grupinhos estudantis cujas reivindicações não
conseguem ir além de tempo, espaço e verba para festinhas, excursões e jogos.
Baixamente partidário porque, ainda que seja impossível negar as manifestações
das diferentes agremiações políticas, uma organização estudantil não pode ter
sua agenda comprometida com agendas de partidos; o estudante "civil"
não pode ser ignorado nem aliciado. O episódio da invasão/ocupação da reitoria
foi um dos maiores, senão o maior desperdício de energia e de oportunidade da
história dos movimentos estudantis. Os envolvidos tiveram de passar pelo
ridículo de tomar pito do Alckmin, que teve o sarcasmo de dizer que "daria
aula de democracia", com PM e cassetete, para os agora réus da USP.
Passar a mão na cabeça dos estudantes é
o mais adequado? Decretar de antemão sua absolvição é justo? Está claro que
não, pois não estamos lidando com crianças que picharam as paredes do jardim da
infância. Mas também é temerário transformá-los em "exemplo de que esse
país tem ordem". Alguém sabe como resolver essa treta?
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