O povo não gosta de greves. Também não gosta de protestos. Quando
eu era adolescente, achava romântico um ato público em defesa de qualquer
coisa: direitos humanos, honestidade na política, educação de qualidade. Quando
via um grupo de trabalhadores em greve, qualquer grupo, respeitava aquelas
pessoas sobre caminhões ou empunhando bandeiras como se fossem heróis. Hoje,
boa parte das pessoas, quando vê alguém reivindicando qualquer coisa, logo o
etiqueta com o título de vândalo, baderneiro, vagabundo.
Quando eu era adolescente já havia muita gente que via
manifestantes e grevistas em geral como vândalos e baderneiros. Aprenderam com
os anos de ditadura militar, com a Rota na rua, que espancava qualquer pessoa
que, ao ser parada na rua, não estivesse portando sua carteira de trabalho em
dia. Estar desempregado, por exemplo, era um quase crime. Valorizava-se muito
mais um adolescente que trabalhasse do que um que estudasse; estudar para o
povão da periferia deveria ser algo secundário, para os horários noturnos,
depois de passar o dia inteiro ralando em algum emprego insalubre por algum
salário ridículo. Trabalhando de dia e trabalhando de noite, ou trancado em
casa, não haveria tempo ou energia para protestar.
Ainda há, e cada vez mais, quem concorde com essa visão de
mundo. Quem trabalha e estuda não tem tempo de protestar, logo, quem protesta é
desocupado e quem é ou está desocupado é um quase criminoso. A quem se sentir
injustiçado, manipulado, humilhado, sempre haverá o direito ao lamento. Amélia achava
bonito não ter o que comer, por isso, e pela sua falta de vaidade, era exaltada
como "a mulher de verdade". O trabalhador que, a despeito de
problemas de saúde, de salário ou condições mínimas de exercer sua função é
elogiado como "profissional". Ignora-se que "profissional",
geralmente, cobra pelos serviços prestados.
Contra as injustiças, o silêncio imposto, o preconceito
medroso da sociedade, é preciso protestar. Contra os baixos salários, as
péssimas condições de trabalho, os preços abusivos de serviços essenciais para
a população, a depredação da saúde, da educação, da cultura e de tudo que
coopera para a nossa humanização, é preciso protestar. Mas estão fazendo isso
direito?
Eu penso que não. A população, que deveria se interessar
pelas manifestações contra o aumento das tarifas do transporte público, pelas
péssimas condições de trabalho, pelos problemas de saúde e pelos ridículos
salários que são pagos aos professores, também. A população que sofre nos
hospitais e postos de saúde, precisa reivindicar para que não morra nas filas
das UBS. Mas estamos fazendo o convite do modo adequado?
Há muita manipulação nas manifestações públicas. Muita gente
que inflama e obstrui assembleias com o único propósito de ganhar alguns pontos
na hierarquia do partido a que pertence. Há muita ingenuidade, também. Muitos jovens
cheios de energia e com um genuíno desejo de transformar o mundo, mas que se
deixam levar pelo discurso irreal de alguns "gurus". Gente boa foi
expulsa na USP no episódio da invasão da reitoria porque acreditava que estava
participando de algo revolucionário, enquanto estavam, na verdade, sendo
manipulados por estudantes profissionais, que recebem salário de grupos
políticos para plantarem a "sementinha do socialismo".
É preciso protestar de modo eficiente e não é colocando
"guarani-kaiowá" no facebook que tudo mudará. Nem é preciso convencer
o povo de que algo vai mal, pois o povo sabe que as tarifas de transporte estão
caras, que os professores são desrespeitados, que faltam remédios essenciais
nos postos de saúde. É preciso mostrar ao povo que é possível mudar. É preciso
convencer o povo de que os que os protestantes estão realmente do lado do povo,
que não almejam apenas promover suas carreiras particulares. É preciso ser
criativo na hora de protestar − nariz de palhaço, vestir-se de preto, empunhar
a bandeira nacional ou entregar flores para a tropa de choque viraram clichês;
clichê, senso comum, atuam apenas na superfície, não levam ninguém a refletir,
e o povo precisa refletir para agir de modo consciente.
O maior desafio político do momento é aprender a protestar,
a revindicar de um modo que seja genuíno, útil e convincente. Que coloque o
povo a seu próprio favor. E que coloque o governo a favor do povo que o elegeu.
O voto depositado na urna, ao contrário do que muita gente pensa, não legitima
qualquer coisa que o governo fizer; aquele voto pode significar, muitas vezes,
que os governantes foram escolhidos por exclusão, não por afinidade ideológica.
Da mesma forma, a falta de adesão aos protestos não significa que o povo está
satisfeito com tudo; pode refletir apenas a falta de fé da população e
desconfiança com relação aos "líderes da oposição". Por isso, é
urgente encontrarmos novos caminhos.
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