A redução da maioridade penal é um tema apaixonante. Muito difícil
entrar em uma discussão com esse assunto sem que ânimos se exaltem. Todo mundo
tem muita razão, a ponto de faltar com o respeito com quem pensa diferente. Pois
então, eu também tenho as minhas razões.
Em primeiro lugar, é preciso resolver uma questão de base: o
que se busca com a redução da maioridade penal: educar e ressocializar, com
vistas a reduzir a criminalidade, recuperando os infratores, e assim reduzir o
número de vítimas de crimes em geral, ou punir e vingar os crimes já cometidos?
São duas coisas diferentes, são duas opções que dizem respeito a como cada um
de nós pretende levar a vida, são escolhas que revelam nossas prioridades.
Se as estatísticas que povoam as redes sociais são
verdadeiras, como as brilhantemente apresentadas por
Eliane Brum, a redução da
maioridade penal não terá impacto significativo sobre o montante de crimes praticados,
pois a porcentagem de delitos cometidos por menores de idade é muito pequena,
praticamente ínfima. E, bem sabemos nós, há uma quantidade significativa de
crimes, especialmente de assassinatos, que são atribuídos a jovens menores de
idade para livrar os criminosos mais velhos de penas maiores. Todo mundo já
reparou que quando um assassinato é cometido por um grupo de delinquentes
dentre os quais se encontra um menor, sempre é este que puxa o gatilho,
livrando assim a barra de seus comparsas. A redução da maioridade penal, nesses
casos, não ajudará a reduzir os crimes, mas fará com que a idade dos que
acompanham criminosos para serem responsabilizados no caso de serem pegos
diminuirá, passará de dezesseis, dezessete anos para quatorze, doze anos, até
que algum jornalista popularesco surja com a genial ideia de reduzir ainda mais
a maioridade penal até chegarmos à idade mínima em que uma criança consegue
segurar uma arma e efetuar um disparo, o
que pode acontecer antes mesmo de o indivíduo ser plenamente alfabetizado.
Por outro lado, e disso quem trabalha com adolescentes sabe
muito bem, faz pouco sentido afirmar que um jovem com dezessete, dezesseis, ou
mesmo com quatorze, treze anos, não tem o mínimo de discernimento para
compreender o que são crimes, especialmente os mais brutais, como estupros,
sequestros e assassinatos. Ainda que não brotem a cada esquina, como alguns
políticos e parte da imprensa nos querem fazer crer, há sim assassinos cruéis,
assaltantes frios e estupradores sanguinários com menos de dezoito anos. Estes,
quando são pegos, passam cerca de três anos em pequenas escolas do crime, como
a Fundação Casa, onde não há a mínima condição de serem reeducados, a não ser
quando falamos de especializações no próprio mundo do crime. Passar estes
adolescentes para presídios com bandidos mais tarimbados e persuasivos não
trará benefícios para a sociedade. Se tratar criminosos perigosos com menos de
dezoito anos como crianças incapazes e indefesas é nítido sinal de ingenuidade,
encarcerá-los ao lado de bandidos mais velhos, experientes e persuasivos é mais
um motivo para que a sociedade se sinta insegura, pois esta é a melhor forma de
perpetuar as práticas criminosas: distribuindo know-how de geração para geração.
Como cristão, fiz uma opção definitiva pelo perdão e pela
reeducação. Luto diariamente para que instintos primitivos como o desejo de
vingança pura e simples sejam domados dentro de mim. Sei, contudo, que as
penalidades imputadas aos criminosos não são apenas para
"reeducá-los", mas também em boa parte para coibir as práticas
delinquentes e para punir, sim, os infratores. Tais punições são imputadas aos
que têm discernimento suficiente para saber o que podem ou não podem fazer em
sociedade. Então, um menor, digamos, de dezesseis anos, que sequestra, estupra
e mata alguém, a não ser que sofra de algum mal que o impeça de perceber que
estas práticas são hediondas, proibidas em nossa civilização, deve, sim, ser
punido. Mas não deve ser inserido em um sistema que além de punir irá lhe
propiciar um verdadeiro curso de especialização no crime e nas leis que regem o
submundo. Em casos como estes, ao lado da punição, deve haver uma preocupação
reforçada, sim, em recuperar o infrator, e isso não apenas para o bem dele, mas
da sociedade como um todo.
E é especialmente neste quesito que os governos brasileiros
têm fracassado sistematicamente ao longo dos anos. O que deveria funcionar como
centro de reabilitação de menores infratores não passa de penitenciária de menores,
com direito a doses variadas de violência e ao desenvolvimento de códigos de
conduta entre os criminosos desde a mais tenra idade. Nos locais onde o Estado
amontoa menores infratores, a primeira lição a ser aprendida é a de que
sociedade e governo desprezam quem passa por ali, e que a alternativa mais
viável é especializar-se no crime o suficiente para não ser detido outra vez,
ou cruel o bastante para sobreviver nas futuras estadias em centros de
detenção.
Daí que, se não podemos ser ingênuos o bastante para
olharmos para criminosos mirins − sim, eles existem − como simples vítimas de
um sistema cruel, também não podemos ser tolos a ponto de acreditar que a
redução da maioridade penal nos trará maior segurança: no máximo, saciará
parcialmente nossa feroz sede de vingança, o que já agradará a muitos. Contudo,
a contraproposta a esta questão não é deixar tudo como está, pois está tudo muito
mal. O governo e suas penitenciárias, seja para menores ou para maiores de
idade, sustenta o que talvez seja a maior rede pública de escolas do crime do
mundo, mantendo presos inclusive pessoas que praticaram delitos, digamos, de
"baixo impacto" e que poderiam pagar suas dívidas para com a
sociedade de formas alternativas e verdadeiramente socioeducativas; em vez disso,
o sistema carcerário brasileiro oferece aos pequenos infratores oportunidades
de evolução criminal, fazendo com que um ladrão de margarina possa virar um
assaltante de banco, ou um pequeno traficante em dois, três anos de convivência
com "profissionais" mais gabaritados.
Discutir a maioridade penal no Brasil vai muito além da
questão de encarcerar adolescentes ao lado de bandidos mais velhos, o que já
soa como algo grotesco. Passa, repito, por uma questão de base: queremos
reconstruir nossa sociedade ou simplesmente nos vingar, de preferência nas
camadas menos favorecidas da população? Encarar de fato estas questões pode ser
nosso passaporte para a maioridade de nossa sociedade.