quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Agende suas emoções

A felicidade não olha para o calendário. A tragédia, muito menos. Sempre me incomodou a alegria que cobram de nós, por exemplo, no Natal. Não é dia de tristeza, depressão, melancolia, mau humor: sorria, Jesus nasceu! Mas Jesus nasceu há mais de 2 000 anos! E ele, compreensivo que é, não se aborrecerá comigo caso eu não esteja em estado de felicidade compulsória. Acho que pior fazem os que, a pretexto do nascimento de Deus (!) enchem a cara, dão em cima da mulher do primo, vomitam sobre os presentes. Talvez tudo isso seja a pressa que a felicidade com hora e dia marcado gera: amanhã, todos sabem que virá a ressaca e provavelmente um vazio sem nome e individual, incompartilhável.
Minha avó foi enterrada no dia 2 de novembro. A despeito de ser exatamente o dia de finados, ela partiu ao final de um feriado prolongado. Eu estava em um sítio com amigos da igreja e quase nem fiquei sabendo de seu enterro. Saí da diversão e da alegria genuína para entrar no terror do velório de uma das pessoas que mais amei – e certamente das que mais me amaram. Agora, todo ano, espera-se que no dia 2 de novembro eu esteja triste, pensativo, com olhar distante. Mas nem sempre consigo ser assim: no último, por exemplo, eu estava bem feliz: menos de dois meses de casado, aproveitei o feriadão para curtir minha casa, minha nova família. Não fui ao cemitério visitar meus avós, não acompanhei minha esposa à casa da sua avó, que lá o assunto também seria a morte recente do avô dela. Minha avó, o avô dela, ambos eram felizes e não creio que cobrassem de mim tristeza alguma, ainda mais com data certa.
No penúltimo dia da minha lua de mel, em Natal, após fazermos mergulhos sobre os corais de Maracajaú, pleno de felicidade que eu estava sentado na praia, comendo macaxeira e pastel de camarão e bebendo um inesquecível suco de abacaxi, me lembrei da minha avó. Um lágrima enorme, gorda, rolou pelo meu rosto. Foi uma só e a saudade durou pouco, mas tinha que ser no meio da lua de mel, num dos lugares mais legais que já visitei? Tinha, pois calhou dela se fazer presente justamente em um oásis de felicidade.
Nesta quarta-feira faço 35 anos! É uma data “linda”, porque a gente sabe que já está completamente, plenamente e irreparavelmente adulto e que a velhice já pode ser vista no horizonte. Mas também é uma idade como outra qualquer, com dores e delícias, maturidades e criancices, alegrias, frustrações e um punhado de dias comuns. A gente se sente velho e sábio. Grisalho e jovial. Sonha com os filhos e sente uma saudade adiantada até dos netos! Lembra dos tempos de escola e quase sente o olhar doce da avó a declarar nada além de gostar muito de você. Experimenta uma crise de idade lamentando tudo aquilo que não fizemos ou fizemos errado, mas criamos boas expectativas para o futuro.
O mais interessante de tudo é que a intensidade dessas emoções e pensamentos conflituosos só acontece em datas marcadas no calendário. Aos 35 anos a gente já aprendeu a conviver com as contradições numa boa.

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