quinta-feira, dezembro 24, 2009

Natais Possíveis

A doação chegou a tempo.
Sobre a mesa farta de migalhas de pães dormidos do café da manhã amanhecido de muitos dias, grandes mãos engorduradas retalham peru e lombo que vieram da ajuda comunitária.
A toalha de plástico exibe frutas que, de verdade, nunca estiveram ali: uvas, melões, pêssegos, abacaxi... só bananas e laranjas, vez e outra, rolaram pela mesa, despejando suas cascas, e odores de meia putrefação, meio passadas, entrando no podre.
As mãos seguem cercando a ave e o porco, gordos, e da boca escorre sumo, escorre saliva, voam farelos e perdigotos, a família observa.
Sob a mesa o bebê de fralda imunda e calça plástica imensa, cheia, esconde o pânico no choro que engole. O pai é o pavor. Outros dois loiros irmãos, secos de carne, se encostam na parede, sentados ao chão, e o pai devora. A mãe, na cozinha, requenta um café.
Apenas o pai come-recome-come, antecipando o gutural arroto que rebaterá na caixa quase vazia de concreto, ribombando pelas paredes, o lar.
Ele é quem manda. Protege a família no braço, no trabalho; é quem come, o que cair de seu beiço vai pras crias, pra fêmea.
Natal não é data pra diferenças, rebeliões e fricotes. A data é tradição e manutenção da História. o espírito que ronda os generosos nessa época aqui nem paira.
A comida que imunda a mesa veio daquele grupo de pessoas acima da linha da miséria, aquelas que despejam dinheiro e fazem a alegria dos pobres. Os pobres, alegres porque recebem doações e passam menos fome. Os pobres que chafurdam em certa miséria calculada e cumprem seu papel, aplacando a consciência de quem ceia fartamente com a família.
Quem entrega o peru, quem libera o lombo pro pobre trabalhador – veio também presente pra cada filho, que o pai não entregou por julgar que ninguém ali merece ou sabe usar tudo aquilo; trocou no bar por três doses – quem faz a caridade e a cárie, não está aí pro que ocorre de verdade.
Sem a manjedoura, sem a entrega – nada dessa caridade de porta-retrato – não se nasce, no natal.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Fernanda Young na Playboy!!!

Vi partes da entrevista coletiva de Fernanda Young no lançamento de sua Playboy. Pra variar, estranho.
Em alguns momentos, parecia uma palestra chata e mal-feita em faculdade de segunda classe. Em outros, não parecia nada.
Young afirmou que pretende mudar a estética do erotismo brasileiro e que não se reconhece nas mulheres que posam para revistas masculinas. Também falou da breguice de boa parte dos ensaios das revistas masculinas.
Pensemos: existem estéticas eróticas predominantes, mas não absolutas. As pessoas gostam de aparências variadas: gordinhas, magricelas, mulherão, mignon, negras, loiras, com seios fartos, com falta de seios, culotes, celulites, lisinhas, siliconadas, lipoaspiradas, com tatuagens ou não, inteligentes ou não. Outra coisa, também muito óbvia: as estéticas predominantes variam ao longo da História. uma pessoa solitária, posando para uma revista, não tem esse poder todo, não – ou Ida, Hortência, e mais algumas mulheres que não figuram no imaginário popular já o teriam feito. A verdade é que as pessoas não costumam gostar de mulheres que considerem feias, digo isso do ponto de vista puramente estético-corporal (pareço a Fernanda Young falando, perdão). Talvez, em algum momento da História Young seja considerada uma pessoa bonita. E aguardar...
Quanto à breguice, pensemos o seguinte: não deve existir chavão e cafonice maior do que posar vestida de coelhinha, como Young aparece logo na capa.
Ah, ela também falou mal das mulheres fruta e das ex-BBBs. Pensemos: elas agradam ao público em geral: são bonitas, corpulentas, bem-cuidadas, bem-talhadas. E, muitas delas, sendo limitadas do ponto de vista intelectual, falam pouco e somente sobre coisas que suas mentes alcançam. Por que Fernandinha não faz isso? Ou todo mundo acha que ela é realmente uma intelectual? Os roteiros de Os normais e Muito gelo e dois dedos d´água são exemplos de inteligência, de estética artística bem elaborada ou de qualquer coisa do gênero? Era só falar palavrão, Fernanda, que você ficaria muito à vontade.
Pra completar pensemos em mais uma coisa: Fernanda pediu que as pessoas comprassem a revista e passassem para dez pessoas; essa corrente,segundo a escritora, modelo e atriz, daria sorte. Algo como pisar na merda, manja?

quarta-feira, novembro 04, 2009

Entranhado

Tatuaram-se em mim tuas pegadas
Por onde fores, sempre estarei em tua direção
Tatuou-se em mim tua língua
Minhas palavras, por mais que voem
Ouvirão de leve teu sussurro
Tatuou-se em ti meu olhar
O que vires terá um pedaço de minhas lentes
Tatuaram-se em mim os teus seios
O que me alimentar, será um pouco do teu leite
Tatuou-se em nós a felicidade
Em vários caminhos por que andemos
Seremos outros, teremos outros
Mas sempre os mesmos.

domingo, novembro 01, 2009

Linchamento Acadêmico

Geisy é uma jovem de vinte anos, bonita, atraente e certamente cobiçada por muitos homens de idades, grau de escolaridade e credos variados. Ela é estudante de Turismo na UNIBAN ABC. Geisy quase foi linchada e estuprada pelos colegas num dia em que resolveu ir cm um vestido talvez pouco apropriado para a ocasião.
Pode-se discutir a pertinência de certos tipos de roupa em universidades, mas cada vez mais essa discussão perde o sentido, pois é muito comum ver homens e mulheres usando bermudas, roupas decotadas e curtas. Pode-se discutir moralismos pautados em opções religiosas e individuais – homens e mulheres podem julgar determinados tipos de roupas contraditórios com sua fé pessoal – eu mesmo tenho e já tive colegas que usam véus e roupas que cobrem todo o corpo na universidade em que estudo. O que não se pode questionar é o respeito o ser humano, independente da roupa que ele esteja usando.
Alegou-se que Geisy estava gostando do alvoroço que causou entre os colegas e que os estimulou levantando a já curta barra do vestido, que os seguranças deveriam tê-la barrado já na entrada – embora outras garotas e a própria Geisy já tivesse ido à aula com roupas do mesmo padrão – e um professor da UNIBAN, que sequer viu a jovem, é da opinião de que a garota estava vestida muito mal e que a culpa do tumulto é exclusivamente da jovem.
O caso é nojento. O comportamento animalesco dos “universitários”, certamente ocorreu porque os jovens, preconceituosos, que se achavam no direito de humilhar, ameaçar e perseguir uma jovem por ser ela bonita e estar vestida de modo sensual, julgam a si mesmo superiores à normas, contratos sociais e à própria jovem; afinal, a jovem, “que se vestia como garota de programa” – opinião com a qual não partilho – dava o direito a cerca de 700 jovens de até mesmo estuprá-la, como alguns chegaram a sugerir. Além da falta de respeito às mínimas regras de convivência, aqueles “estudantes” contavam com a impunidade – que certamente virá, pois em algumas semanas todo mundo vai esquecer o que aconteceu e a universidade não pensa em perder 700 pagantes, certamente muitos deles com a receita garantida, bancados pelo PRO-Uni.
O que pode servir de conforto para a sociedade – seriam esses jovens os futuros governantes do Brasil e estaríamos condenados a uma volta ao feudalismo? – é que a maioria absolutíssima daqueles pequenos monstros não chegará a grandes feitos acadêmicos e profissionais, acredite. Apenas um ou outro daqueles canibais ascenderá e terá alguma influência no destino do nosso país.
Agora, o que é triste mesmo é que fatos como esses nos deem a certeza do que algo no meio acadêmico, ainda mais nessas “universidades” sem projeto pedagógico consistente, ocupadas que são em aumentar o número de clientes se ma menor preocupação em aumentar a qualidade de seus cursos, algo vai de péssimo a horripilante. Quem não aprende a respeitar o próximo e consegue, sem o menor remorso, se colocar a cima dele não aprendeu absolutamente nada de útil para si mesmo ou para a sociedade.

domingo, outubro 25, 2009

Infância enraizada em Manoel de Barros

Descendo a ladeira de asfalto amargo
O menino puxa uma linha preta
Presa a uma lata
Derramando flores, estrelas, doce
Atraindo fadas
Bordando em cada poste mil beijos de azul e sol
Desfraldando em cada cabo
Dúzias de bandeirolas celestes
Convidando sereias e santos
Para a sua festa

O menino não sonha, planta
O menino das mãos de homem
O menino dá a mão aos anjos.

terça-feira, outubro 20, 2009

não estou com tempo de escrever muito para o blog, o que me é triste. concurso, cursos, trabalho novo, questões pessoais, projetos literários que andam e desandam, buscando sentido pra vida, uma ou outra doença, tristeza, issos e aquilos.
mas, como a palavra queima na palma da mão, estou no twitter, com considerável frequência, diária, pelo menos. me vejam por lá!
www.twitter.com/pborgesj

abraços!

segunda-feira, setembro 28, 2009

O Anticristo de Lars von Trier

Começo sem suspense: o novo filme do diretor de Dogville e Manderlay é, sim, chato. Mas é preciso dizer que coisas chatas também podem perturbar – uma das funções da arte.
O Anticristo é um filme grotesco: faz o sexo e o amor parecerem coisas horrendas, tem um ritmo irritantemente lento que nos incomoda desde a primeira sequência; até uma tomada de sexo explícito rola. Se a intenção do diretor é atormentar seus espectadores, não tenham dúvida de que Lars von Trier alcança extremo êxito.
Enquanto assistia ao filme ficava pensando o tempo todo sobre o que levaria os atores a participar de um filme como aquele: será que o roteiro sugeria outro tipo de coisa? Estavam precisando desesperadamente de dinheiro? Viam na história e no prestígio de trabalhar com um dos diretores “cabeça” mais aclamados do mundo uma possibilidade de participar de uma obra de “vanguarda”? O que se passa pela cabeça do próprio diretor, honestamente, me intriga menos, pois todo artista sempre consegue ver sentido e “função” em sua obra; aliás, de vez em quando apenas o próprio autor consegue ver algo que justifique seu trabalho.
Mas imagino que O Anticristo tenha saído do jeito que seu diretor desejava, ou ao menos muito próximo disso. O trabalho de fotografia é simplesmente deslumbrante, e é responsável por alguns momentos em que a plateia se vê lançada para fora da poltrona e tem suas emoções realmente reviradas – mas as cenas escatológicas, que misturam sexo e violência de um modo realmente insano, é que ficam em nossa memória por mais tempo; ao menos ficaram na minha.
O filme não quer agradar, como todo mundo já imaginava. Ele lida com sensações, como ansiedade, medo, angústia, e até dor, de um jeito que não vemos todo dia. É sensorial ao extremo, e nesse ponto é um grande sucesso.
O Anticristo de Lars, que não relação alguma com Nietzsche, Marilyn Manson, leituras equivocadas do Apocalipse e que dispensa até mesmo o próprio satanás, não é um filme que eu recomendaria a ninguém, mas estou escrevendo, sem obrigação alguma, sobre ele; algum significado isso deve ter...

sexta-feira, maio 01, 2009

MUDANÇA DE RUMO!

NESSA SEMANA, SÓ TEXTOS RELACIONADOS À EDUCAÇÃO. FILMES, IDEIAS, PICARETAGENS E ANGÚSTIAS. PRO DIA NASCER FELIZ, VERÔNICA, OS FILMES. PAGAMENTO POR PERFORMANCE, DEPRESSÃO ENTRE PROFESSORES, AS IDEIAS; APEOESP E PSDB, AS PICARETAGENS. E MAIS ALGUMA COISA QUE APARECER NO CAMINHO.

terça-feira, abril 28, 2009

antessala

um passo antes
de qualquer paixão
um balde cheio de medo
um cisco gelado de insegurança
a cratera incerta de um tenso desejo
contradançam
no piso movediço
da pele em flor

segunda-feira, abril 27, 2009

Não foi o Corinthians, foi o Ronaldo

Sou santista.
Começar um texto assim hoje cria expectativas, por conta do jogo de ontem. Esperarão rancor, reclamações, despeito e toda ira que um santista poderá despejar por conta de uma derrota, em casa, com um placar que não pode deixar dúvidas quanto ao mérito do adversário que é justamente o Corinthians, sendo que, tirando o “detalhe” do gol, o Peixe foi muito superior.
Acontece que no futebol, ao contrário o que pensam alguns "especialistas", o gol não é detalhe, e o Corinthians conta com um dos maiores especialistas de fato nessa área. Já devíamos desconfiar disso, pois, mesmo quando estava afastado dos gramados, ainda em recuperação, soubemos que Ronaldo não deixava de treinar com duas, quatro, ou mesmo seis bolas ao mesmo tempo – para aguçar seu domínio – e deixava claro que, para ele, tanto fazia jogar enfiado ou ser o homem que vem de trás, exatamente como ele vem fazendo nos jogos.
Desde que voltou a jogar, Ronaldo teve que superar uma série de desconfianças sobre suas condições. Era golpe de marketing? Sim, não deixava de ser. Ele não estava em plenas condições de jogar futebol profissionalmente? Não, não estava. Sua cabeça estava mais nas baladas e na curtição do que na carreira? Não há dúvidas. Mas aí, pouco a pouco, o cara resolveu jogar, foi fazendo gols, retomando o gosto pela coisa – tudo bem, os jogadores que enfrentou por aqui são, em sua maioria, cabeças de bagre – e aí ele veio, gol a gol calando a boca dos desconfiados.
Seu primeiro gol na “volta”, contra o Palmeiras, foi supervalorizado. Jogada chinfrim, um simples gol de cabeça em que a defesa adversária ficou plantada apenas assistindo, teve repercussão mundial e babação de ovo até de jornalistas sérios, uma grande manipulação e tal. Ronaldo ainda não havia conquistado alguns céticos.
Até que, no jogo de ontem, o cara domina a bola com maestria no segundo gol do Corinthians e arremata com eficiência e, pra completar, marca um golaço, coisa que só craque consegue fazer. Ontem, por causa de Ronaldo, o Corinthians teve duas chances claras de gol e marcou três vezes! Sim, pois o terceiro gol não seria uma chance clara de gol, foi algo tirado da cartola!
A última boca que Ronaldo ainda não havia calado, a minha, fechou-se ontem, com amargura, mas também com reconhecimento.
Não abro mão do meu papel de torcedor, que é essencialmente torcer, mas, precisando marcar três gols sem sofrer nenhum, jogando contra um time que vai explorar os contra-ataques e que tem Ronaldo na frente, devo dizer que dessa vez, Peixe, com todo respeito ao Madson, já era.. mas, perder pro Ronaldo (esqueçam o Corinthians), ainda mais jogando como o Santos tem jogado, não é nenhuma vergonha, não: é apenas a ordem natural das coisas.

sexta-feira, abril 24, 2009

Lista, poluição e o inominável!

Quando falta assunto, é comum entre os cronistas jogar listas de sinônimos na página. Elas dão um ar engraçado, reforçam imagens, “engrossam” o texto. Por exemplo: crônica com “cachaça”, certamente terá pinga, mé, água que passarinho não bebe, aquela que matou o guarda, aguardente, cana, purinha; porre garantido! Alguns desses termos só existem mesmo é no meio das crônicas, o que denuncia sua artificialidade. Outro artifício é falar sobre o tempo: o calor causticante, o tsunami, a floresta incendiada, as geleiras derretidas.
Essas listas não são exclusividade dos cronistas, que precisas escrever toda semana. As conjunções adversativas adoram andar em família: mas, porém, contudo, entretanto, todavia. Talvez, quiçá, quem sabe, as adversativas formem a lista preferida de professores e contadores de casos a cada dia mais reais, como furacões, tempestades e terremotos.
Na maioria das vezes, as listas servem é pra esconder nossa preguiça e desperdiçar o valioso papel. Machado de Assis ensinou que a crônica nasce do banal: alguém reclama do tempo e já temos a desculpa necessária para uma boa conversa – e toda crônica não passa de uma boa conversa. Com o calor que vem fazendo, vivemos a era das crônicas!
Entre os grandes escritores, as listas também aparecem, mas com estilo, não para apenas preencher espaço. Guimarães Rosa, por exemplo, arrolou vários sinônimos nomes para o diabo. Eita cabra pra ter apelido, esse tinhoso! São incontáveis, e existem justamente para que não o chamemos pelo nome. Recusar a (des)graça do cão resulta no oposto, pois em vez de evitá-lo, lhe damos destaque exagerado, para que todos saibam de quem não estamos falando: não o queremos por perto e não paramos de citá-lo!
Ele é o diabo, satanás, o cão, tinhoso, pai da mentira, rompe-mato, o barriga-dura, astarote, baal, rei de Tiro, leviatã, gramunhão, cabrunco, demóstenes, pé-de-cabra, bode-preto, chifrudo, zé-pelintra, dragão, grande prostituta, couro-de-sapo, reza-curta, comunista, santantão, rasculeno, tripa-torta, repelente, indigitado, indizível, cabeça-de-área, anticristo, zero-zero, capeta, esbugalho, encruzilhado, é o caboclo sete-folha-verde, ossanhoxossuê, regra-frouxa, príncipe deste século, maligno, cavalo-em-casco, chá-de-pão, nem-me-diga, chega-e-vira (isso é nome de passarinho!; passarinho pega bem em crônica!), a serpente, o valente, cartola (não o músico!), coxinha, bruaca, rebordosa, patrão, relógio-de-ponto, série B, sogra, ré-no-quibe, baba-canivete, música-de-trabalho, babilônia, meia-meia-meia, adversário, inimigo das nossas almas, anjo caído, inominável, é o lúcifer.
Se a lista resulta inútil – não a de Guimarães Rosa: a minha – ao menos preenche o espaço da coluna. Estou virando cronista profissional!
Mudando de assunto (ainda temos espaço): e o aquecimento global, hein?
Deveria ser sabido de todos que o aquecimento global não é assunto exclusivo de ativistas ambientais: sem vida, não há ideologia possível. Não é frescura de jovem rico procurando algo para se rebelar, nem golpe de grande laboratório querendo vender algum creme milagroso contra raio ultra-violeta; também não é lenda urbana ou mero tema para filme americano: caminhamos para o fim do mundo, o apocalipse, a consumação dos séculos, o armagedon, o the end...
Bom reflexo de nossa maneira narcisista de viver, interessada no aqui e no agora, nosso descaso com a natureza gera uma justa resposta: a terra treme, o vulcão vomita, o furacão engole casas, o sol racha solo e cucas, a neve soterra carros e plantações, o mar devora cidades, pescadores e turistas. Mesmo assim, mantemos nossos hábitos “civilizados”: jorramos dióxido de carbono pelos ares, mutamos alimentos em venenos cancerígenos, arrancamos árvores descontroladamente, promovemos queimadas, endurecemos pulmões (nossos e alheios) com nicotina, estouramos tímpanos com barulho excessivo, espalhamos cartazes, placas e faixas sem o menor critério, soltamos balões, “genocidamos” sem clemência ou motivo. A exemplo do que fazem com o diabo, evitamos o problema enquanto nos afundamos nele: bitucas de cigarro, latas de alumínio, garrafas, embalagens plásticas, tudo pelas ruas, entupindo bueiros, emporcalhando rios, chamando enchentes; desperdício de água, de eletricidade – mil aparelhos ligados ao mesmo tempo – buzinas gritando, simpatia negada, solidariedade economizada, papel desperdiçado; nada disso, fingimos, interfere na saúde precária do planeta: canastrões, interpretamos o papel de vítima do sistema.
E ri-se satanás, o racha-cuca, o água-poluída, o efeito-estufa, o não-reciclado, o desmatamento, enquanto o sol desaba sobre nossas cabeças, sobre nosso futuro...
Contudo, existe uma lista de três palavrinhas, não de sinônimos, que contém os elementos necessários para reverter nossa história: fé, amor e esperança.
Tem feito calor ultimamente, não?

terça-feira, abril 07, 2009

Mudança de rumo?

Informo a todos que estou em estado poético. A prosa, onde caminho com mais facilidade, tem fugido de mim. Gavetas cheias, arquivos abarrotados, tudo entupido de coisas pela metade, inacabadas, quase nem iniciadas. Os versos, as epifanias, coisas diáfanas, palavras estranhas, frases curtas, lirismo doente, me rodeiam, enforcam e trazem à tona após jogar alguma coisa no papel (falar em “papel” já é linguagem figurada o arcaísmo). Não sou poeta, mas estou empoetado!
Vê aí embaixo:

segunda-feira, abril 06, 2009

difusa luz no cinza-chumbo
encobre o que não sorri
me escondo no seu escuro
não sei me fingir feliz

terça-feira, março 31, 2009

Trânsito
fácil é o riso
que vem dos seus
para os meus
lábios
como é solto
o voo do beija-flor
que ronda
nossas cansadas cabeças
enquanto sorve
a borrifada
de antecipada saudade
a brotar do meu peito
secando os lábios
umedecendo o ventre
congestionando deliciosamente
braços, pernas, bocas e céus
Vingança Paguaia
A confusão do Atlas, deus da mitologia sânscrita que precisava dar a volta no mundo em nove semanas e meia, custou a cabeça de Maria Helena, secretária do deixa-estar do governador de Springfield Hommer Simpson. Pode ser o primeiro caso em que um revisor sonolento, talvez por trabalhar demais, derruba, involuntariamente alguém do baixo-calão. Finalmente sopra a vingança do Paraguai, que, segundo Atlas, já dominou as capitanias hereditárias de Cancun e Belize e pretende comer o Brasil pelas bordas ,desd que elas estejam recheadas com requeijão. Paraguai, todos sabemos, se recente da chaga n´alma causada pela derrota na guerra do Peloponeso, quando os marechais Paulo Machado de Carvalho (o do V de vitória) e Camilo Castelo Branco, que também era dublê do filósofo Nietzsche, autor do Pequeno Príncipe, venceram a do Sarriá, destronando definitivamente Lope de Vega, o bardo dos camelôs.

Repercusão do afastamento de Maria Helena:
“Acho uma injustiça. Usamos várias vezes o mapa e ninguém percebeu nada” (professor Gastão, geógrafo dissidente, da APEOESP).
“Absurdo! Agora o Paraguai virou país? Todo mudo sabe que é um estado-satélite de Foz do Iguaçu!” (Berenice, umas professoras que zerou a famigerada prova de classificação dos professores temporários).
“Esse Hugo Chávez...” (Demétrius Calligaris, cientista esotérico e pelego do governador).

Falando sério:
Sou dos mais irritáveis com as condutas do PSDB, principalmente quanto à Educação; contudo, via no trabalho de Maria Helena, ainda que fosse autoritário em muitos aspectos, uma pessoa do ramo, bem-intencionada e ativa. Com a entrada de Paulo Renato, um aventureiro na Educação (não adianta ser professor de Economia de universidade; um economista sabe de educação o mesmo que um professor da rede entende de altos salários). A troca deixa claro que o PSDB continua o mesmo: em vez de atacar os problemas de frente, ainda que errando aqui e ali, prefere organizar tabelas e planilhas, maquiar números e deixar a rotina da sala de aula em segundo plano.
Entendo que mapa com dois Paraguais é erro feio, mas não foi a ex-secretária que fez, revisou, editou, selecionou e aprovou os livros (e outra: sabendo como é a rotina de editores e revisores que convivem com os prazos ridículos, faço meu particular desagravo à todos os envolvidos nesse caso canhestro); sei que a lambança ocorrida com a prova de classificação dos temporários foi provocada pela atualmente funesta APEOESP, que deve ter comemorado a saída de Maria Helena, em detrimento do que ocorrerá com professores e alunos daqui pra frente – certamente algumas jogadas marqueteiras nada pedagógicas, pois nisso Paulo Renato é bom. Entendo tudo, menos a indignação de Serra com o baixo desempenho da educação paulista no cenário nacional e mundial; afinal de contas, Maria Helena foi secretária por alguns poucos anos, enquanto o PSDB está no governo desde 1994. Rose Neubauer e Gabriel Chalita, atual vereador mais votado na capital, devem ser consultados sempre o assunto seja má gestão da educação pública estadual. Chalita ainda mais, pois conseguiu converter incompetência em votos.

segunda-feira, março 23, 2009

um poema infantil, parte de um esquema aí que estou escrevendo:

sabe aquela garoa fina que tem lá no peito se alguém não está?
aquela, chamada saudade, que nem mil palavras evitam molhar?
a mesma que vira vulcão, se o sol de tuas mãos vem me atoalhar.
então: vem logo, ou vou me gripar!

sábado, fevereiro 14, 2009

Por Onde Andei...
Não é meu hábito ficar contando aqui o que fiz ou deixei de fazer durante a semana; na verdade, nem gosto muito de blogs assim, a não ser que a pessoa tenha algo realmente interessante a dizer sobre sua rotina, e revisar, lecionar, escrever e ler não são assuntos que gerem grandes relatos diariamente, ainda que sejam atividades muito prazerosas. Mas abro exceção para falar de uma oficina que ministrei na agência de publicidade Giovanni+ DraftFCB, em seus escritórios do Rio e de São Paulo. Poucas vezes trabalhei, me diverti e conheci pessoas legais, bem-humoradas, tudo ao mesmo tempo! O assunto, apesar de não ser dos mais apaixonantes – a temida Reforma Ortográfica – rendeu bons comentários, gostosas risadas e algum terror nos oficineiros. Poucas vezes fui tão bem-tratado em um empresa e, ao menos no período em que passaram na oficina, com um clima tão ameno. Deu até vontade de ser publicitário! Mas, para o bem ou para o mal, a educação e a literatura ainda têm o meu passe.

Segunda-feira posto artigo sobre a APEOESP e a lambança que foi esse caso de prova pra professor temporário, liminar aqui, acusação ali...

domingo, fevereiro 08, 2009

desenterrei meus voos
caí na amplidão
criei raízes
Perspicaz
Só quero é me iludir
Nesse rosto meio de fada
Nesse corpo meio de musa
Nesse riso, meio menina
Com meu jeito, meio idiota.

sábado, fevereiro 07, 2009

Todo mundo é poeta frustrado
A verdade é que todo mundo quer ou quis ser poeta. Guimarães Rosa, Jorge Amado, Fernando Bonassi, Marcelino Freire, Luiz Ruffato, Machado de Assis, Nietsche... acho que todo prosador quer é mesmo ver as palavras se engatando umas nas outras até gerarem sons, imagens, versos, ritmos... aí já acho que todo poeta almeja a música, menos o João Cabral!
Quanto escritor famoso começou rabiscando versos para depois perceber que não tinha muito jeito pra coisa e, incapaz de abandonar as letras, pulou para a prosa, sem perder a paixão poética?
Atualmente, a poesia parece perdida, esquecida, sem graça, feita meticulosamente por especialistas, saída de tubos de ensaio, grossos dicionários, engordurados microscópios, a famosa poesia de gabinete. Mas não é verdade que a poesia morreu, ou que agoniza, pois a prosa do Marcelino é poesia em flor, a de Luandino é mel sem versos, a de Guimarães Rosa é poesia em estado puro, como João Cabral, Drummond e Gullar resvalam na prosa, derretem o verso, sem perder a poesia. Pouca gente percebeu, mas já era assim com Graciliano, a poesia por detrás das palavras, por dentro da prosa, alinhavada. E também há os bons poetas tradicionais, com verso ou rima, sempre com ritmo. Nos saraus pelas periferias, em alguns volumes lançados pelas menos covardes editoras, nos blogs, na ponta da língua, no meio da rua, mas sempre refeita, brincalhona, faceira...
É que não faz sentido brincar com palavras se for apenas para elas todas saírem como a fala pálida de fila de banco, repartição pública ou telefonema de telemarketing. A palavra entalhada no papel, quando é pensamento, ideia e literatura, precisa ser estética.
Mas às vezes eu acho que me contradigo. Machado de Assis, nosso mestre, era praticamente anti-poético, até nos poemas! Contudo, o bruxo do Cosme Velho, que dominava a palavra, lidava mais com o pensamento, com a filosofia, mas de maneira tão elegante que a gente até pensa que aquilo é Literatura! Não é. Ou é? Literatura sem poesia? É possível? Só pra os mestres.
Machado brincava na casa da ironia, fingia desleixo, dava seu ritmo, pintava máximas, poeta de sintaxes e ideias. Machado máximo.
Não fosse a poesia, não existiria Literatura em prosa, em fala – o teatro, a canção, o repente – em imagem – a pintura, o cinema, que também é de luz e sombra. Não fosse a poesia, não existiria revolução, reforma, evolução, desejos, amores românticos ou a busca da verdade.
Deus é muitas coisas: amor, juiz, rosa, sol, graça; mas só aparece para os homens em verso, mesmo quando fala em prosa.

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