quinta-feira, junho 26, 2014

15 livros


Eduardo Bueno é um jornalista que, cerca de quinze anos atrás teve uma óbvia sacada: a celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil poderiam render grandes frutos financeiros para quem se preparasse.
A partir daí, o gaúcho se preparou bem e produziu material sobre a história do Brasil, escrito de modo frugal, para o grande público, e tornou-se naquele tempo uma espécie de especialista leigo em história. Boa parte dos historiadores de ofício torceu o nariz para Bueno, por considerar o trabalho do jornalista superficial, sem o devido rigor acadêmico; mas, creio, sua obra cumpriu seu propósito de informar um pouco e distrair bastante, dentro de uma certa lógica do mercado, demanda e procura etc.
Passada a "sede de saber" nacional sobre o descobrimento, Eduardo Bueno ainda conseguiu algum espaço, que deveria ser ocupado por historiadores de fato, em programas de televisão e páginas da mídia. Por ser expansivo, sorridente, falante e sempre pronto para tirar um sarro de quem estiver por perto e mais ainda de quem não tiver no momento como se defender, muitos o consideram "carismático". Esses quadros e colunas, me parece, deram uma sobrevida ao jornalista, já que não lhe garantiram a mesma notoriedade, tantas vezes confundida com autoridade, dos tempos de 500 anos de descobrimento. Mas o cara, caricato, de vez em quando consegue alguma boca em algum lugar.
Atualmente, Bueno faz parte do programa "Extraordinários", da Sportv, que promete descontração, mas, ao menos nas poucas vezes em que tentei assisti-lo, só entregou edição caótica, direção algo ébria e falta de rumo. Contando com o essencial Xico Sá, "Extraordinários", dedicado a discutir eventos relacionados à Copa tem lá seus admiradores, mas dá alguns tiros na água, como a presença de Maitê Proença.
Pois bem. Eduardo Bueno, em um dos programas, se referiu ao Nordeste brasileiro como "aquela bosta". Logo na sequência, fez questão de informar que se tratava de uma "piada". Foi um duplo carpado sobre a gafe. Como a piada é definida, entre outras coisas, pelo contexto em que é dita e pela quebra da expectativa, pesquisadores do Inmetro não consideraram a fala de Bueno dentro dos padrões de qualidade e segurança.
Chamar algo de "bosta", sem nada que justifique minimamente o uso do termo, não é piada, é grosseria. Em segundo lugar, explicar a suposta piada é chamar seus interlocutores de burros, o que não é um ato de fineza. Bueno, talvez conhecendo a afirmação de Mário de Andrade sobre o conto, que viria a ser, nas palavras do escritor modernista "tudo aquilo que eu quiser chamar de conto", quis fazer crer, como já é prática corrente de alguns humoristas, que "piada é tudo que o [suposto] piadista queira chamar de piada". Não cola, até porque, a justificativa só é feita quando alguém diz algo ofensivo; o humorista nunca se explica pela piada ruim, apenas pela grosseria.
Como a afirmação correu o mundo virtual, Bueno precisou se justificar. Teve como uma de suas defensoras, a atriz Maitê Proença, que, falando da leviandade "dessas pessoas" que postam apenas um trecho de eventos na internet com o intuito de sujar a imagem de alguém, desconsideram o fato de que "o contexto do programa permite" que se refiram ao Nordeste como "aquela bosta". Afinal, é um programa "de humor".
Sendo o humor algo subjetivo, embora não tenha dado uma risada sequer nas vezes em que tentei assisti-lo, admito que há quem ria vendo "Extraordinários"; no entanto, assim como Eduardo Bueno é um falso historiador (nunca o vi se apresentando como tal, mas criou-se a falsa ideia disso) chamar alguém ou alguma região de "bosta" é uma falsa piada, especialmente no contexto em que a expressão foi proferida. Contudo, o mais surpreendente foi o argumento que o próprio Bueno usou para se defender, na verdade, foi um desafio: algum dos nordestinos que o acusaram de preconceituoso já teria lido a quantidade de livros de Câmara Cascudo que ele, o gaúcho Eduardo Bueno, lera? No total, foram quinze!
Foi o triplo carpado na gafe. Não contente em chamar toda uma região do país do que chamou, Bueno ainda insinuou que sabia mais sobre o Nordeste do que qualquer nordestino, pois ele já lera quinze − quinze! − livros de um autor nordestino. Não obstante este argumento quantitativo ser patético, ainda mais para um jornalista que estudou tanto para escrever seus livros de amenidades históricas, fico me perguntando se essa leitura toda lhe credencia a chamar o Nordeste de "bosta", além de insinuar que os nordestinos que se sentiram ofendidos com a "piada" são burros, iletrados, desinformados, ou qualquer outra grosseria, que, a essa altura, já nem faz tanta diferença.
Não creio que Eduardo Bueno pense de fato que o Nordeste é o que ele disse. Pra mim, o cara se empolgou em sua explicação didática e quis dizer algo que soasse engraçado (não uma piada), o que resultou em uma infelicidade. Pedir desculpas e assumir a gafe não o livraria dos raivosos que o perseguiriam pro resto da vida, pois na era do videotape e do Youtube somos vítimas de nossos atos, que jamais se apagam, sendo que antes era apenas a palavra escrita que ficava cristalizada, mas seria sincero e honesto, o que ainda vale alguma coisa. Tentar consertar usando argumentos de autoridade pueris, foi um ato de desespero arrogante, deixando a emenda muito pior que o soneto de pé quebrado que foi a suposta "piada". Em algum livro lido por Bueno, ele deve ter visto algo sobre humildade.


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