terça-feira, agosto 19, 2008

Me Derruba, Benedetti!

Esse negócio de publicarem no Brasil a obra de Mario Benedetti está me causando sérios problemas, profissionais, mentais, espirituais. Explico.

Nas férias de julho do ano passado (2007), me embrenhei pelos corredores de uma grande livraria de um grande – e caro! – shopping de São Paulo para comprar um livro. Não tinha certeza do que levar, apenas algumas diretrizes. Estava entre Luiz Vilela, pois queria estudar melhor a arte do diálogo certeiro nos contos – dizem que ele é o mestre e parece que é mesmo, outro dia a gente volta ao assunto – e Roberto Bolaños, o mais recente aclamado autor em língua espanhola, falecido há poucos anos, prematuramente (de quem li  2666 em 2010).
Como não sabia ao certo qual livro de Vilela seria o melhor para o meu intento – ah, sim, também poderia comprar um livro de Guillermo Arriaga, roteirista de filmes que curto muito, como 21 Gramas, Amores Brutos e Babel e que acabava de lançar um livro no Brasil – e, como ali só havia um título disponível desse autor, acabei deixando para outro dia aquela minha febrezinha teórica. O livro de Arriaga, Um Doce Aroma de Morte, acabou não me agradando, pelos poucos trechos que li. Pretendo voltar a ele com mais calma, mas naquele dia buscava um arrebatamento, algo que batesse e subisse logo, mas que não fosse conto. Aí fui dar uma folheada em Bolaños e, pela folheada – na verdade uma lida na primeira página – vi que o momento não era aquele. Sim, cada livro, por melhor que seja, exige um momento para ser apreciado. A escola nos empurra clássicos que muitas só serão devidamente admirados algum tempo depois, e isso quando nós, os professores, não conseguimos estragar o paladar do leitor.
Naquele dia, por uma conjunção de fatores, acabei cismando que buscaria um autor latino que escrevesse originalmente em espanhol. Engraçados os critérios que vamos construindo para buscar algum tipo de prazer que nos surpreenda. Bolaños e Arriaga, creio, me agradarão em outro momento; mas aquele não era o dia deles. Pareceu que ambos, Arriaga em especial, ganham pontos pela construção da narrativa, pelo que o texto vai formando aos poucos. Eu, leitor fascinado de contos, mesmo quando busco um romance, anseio pela frase tensa, pronta para explodir em polissemia, canto ou grito. O defeito é meu, não do escritor fundista, que não explode para alcançar a glória em cem ou duzentos metros. Azar o meu.Sorte a minha que sou apressado e compulsivo por palavras duras e precisas! Naquela busca, encontrei A Trégua, de Mario Benedetti, e ao ler o primeiro capítulo o chão repentinamente sumiu; a tábua de salvação era o livro que tinha nas mãos. Fui arrebatado.Benedetti se colocou em minhas férias, se alinhou aos mestres, se fez necessário a partir daquela tarde despretensiosa. Inspirou um conto derivado de uma personagem que é apenas citada rapidamente no primeiro capítulo; me apresentou a uma Montevidéu fria, chuvosa, cinzenta, triste e fugidia; me tirou o sono, me presenteou com uma história de tristeza e amor, sem um resquício de pieguice sequer. A Trégua me fez mal, como fazem os livros ótimos.Agora (2008), alguns meses depois, enquanto tento finalizar uma coletânea de cartas fictícias, resolvem lançar outro livro de Benedetti, Correio do Tempo, escrito em 1999. Meu projeto (ainda inacabado) fala sobre artistas, esportistas e políticos que, acredito, ajudaram a formar a base cultural e ideológica da minha geração. Correio do Tempo, soube, é uma coletânea de cartas fictícias, que falam sobre amor, perda, dor, além de outros contos.Benedetti, sem saber que existo – enviei o conto que fiz baseado na obra dele por e-mail; acho que ele gostou tanto que nem teve forças para dar alguma resposta – me derrubou mais uma vez. Ao terminar a leitura de Correio do Tempo, que iniciarei assim que terminar esse texto, decidirei o que fazer com as minhas cartas. Talvez ainda as precise escrever para me entender; talvez o mestre uruguaio me baste. Mario Benedetti é o tipo de escritor que constrange a qualquer um que se atreva a tentar fazer Literatura, pois, perto de sua obra, muita coisa sobre o papel soa tão infantil e desnecessária que acabamos, para o bem dos leitores mais rigorosos, optando pelo sublime prazer de lê-lo, e só. A escrita vira um mal desnecessário.Boa leitura para mim, com certeza!
PS:após a leitura, mais uma vez, fui arrebatado por Benedetti...

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