terça-feira, agosto 19, 2008

A Lei das Algemas: Solidariedade VIP


O Supremo Tribunal Federal, ou de Justiça – a supremacia brasileira me confunde – acabou de aprovar lei que, além de restringir o uso de algemas por parte da Polícia Federal, pode punir severamente o agente que as usar indevidamente.
Usar as algemas indevidamente, para o Supremo, significa colocá-las no detido que não oferecer resistência, não tentar fugir ou se sentir constrangido. Deixemos de lado os conhecidos abusos de poder por parte da polícia brasileira, abusos que foram refinados nos tempos de regime autoritário: excetuando-os, as algemas eram, ou ao menos deveriam, ser usadas justamente para evitar que o preso oferecesse resistência ou tentasse fugir; a nova lei dá ao acusado uma chance a mais de se defender, uns segundos extras para tentar a fuga, um tempinho para extravasar sua decepção em cima do policial que o priva de liberdade etc.
Engraçado que as preocupações com o uso abusivo das algemas só foi discutido e polemizado – não pelo povo, é bom que se diga – após a série de investigações que a Polícia Federal efetuou, culminando em prisões de políticos, empresários, advogados, juízes e outros membros da nossa elite. Nunca um homem algemado que não estivesse usando terno e gravata, ou ao menos uma roupa de grife renomada, gerou indignação por parte de nossos legisladores. Mas “quando o monstro vem chegando e ameaçando invadir o seu lar”, como cantou a banda O Rappa, medidas extremas – de prevenção, talvez? – são exigidas. É bom lembrar que boa parte das prisões efetuadas pela Polícia Federal, ao menos as mais incômodas, as mais famosas, são feitas no topo da pirâmide social.
As duas gotas dágua que levaram o Supremo – seja ele qual for – a aprovar a lei das algemas – ou contra elas – foram as prisões de Daniel Dantas e seus asseclas e a extradição de Salvatore Ca$$iola; afinal, um homem que disse claramente não temer decisões de juízes que atuem acima da primeira instância, como Dantas, não podia deixar de receber esse mimo de pessoas que fazem parte do mesmo extrato social que o orelhudo mais poderoso do Brasil. Antes mesmo da “invenção” da lei, Salvatore Ca$$iola fora premiado com medida preventiva que proibia o uso de algemas – não sei se tal medida abria exceção em caso de resistência à prisão ou tentativa de fuga, mas creio que não: o juiz que deferiu o pedido dos advogados de Ca$$iola certamente acredita na boa índole do detento mais sorridente e simpático do Brasil – ia dizer que Ca$$iola era também o mais culto, mas tenho dúvidas: o banqueiro que colecionava quadros e promovia exposições talvez mereça esse posto.
De cara, a lei tem um efeito estético considerável: acaba com aquela tentativa ridícula de nossos colarinhos brancos esconderem as cadeias nos pulsos segurando bolsas, sacolas, jaquetas, tudo amarfanhado, amarrotando suas roupas cheias de estilo. O espetáculo das prisões vips, que provavelmente está para sair da moda, pelo menos ganhará em beleza.
A lei das algemas evita futuros constrangimentos também por parte dos juízes que se apressam em proibir que os poderosos sejam algemados ou “constrangidos” – tadinhos – publicamente, sendo confundidos com criminosos comuns. Não são comuns, mas “especiais”, como bem esclarece o tipo de cela a que têm direito.
Mas bonito mesmo, comovente, até, é o senso de colaboração que a classe alta desse país tem. A solidariedade entre juízes de alto escalão e criminosos especiais é um exemplo a ser seguido por nós que estamos do lado de cá.

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