terça-feira, junho 04, 2013

Quando Cristo pede perdão


Começo este texto reconhecendo que tenho errado muito. A única atitude que posso tomar diante desse reconhecimento é o pedido de perdão. Pedidos de perdão não podem ser acompanhados de explicações, autojustificações, a não ser quando solicitadas, ou quando o silêncio possa causar estragos ainda maiores. Um dos meus erros principais tem sido justamente o excesso de barulho.
Os tempos não têm sido fáceis para os cristãos. E possivelmente têm sido ainda piores para o que os cristãos vêm considerando como inimigos. Tudo bem que um cristão não pode se dar ao luxo de ter inimigos; cremos que nossa luta − sim, não temos inimigos, mas estamos em guerra − é em uma dimensão espiritual, contra seres que não são vistos por nós, com os quais não convivemos, ao menos não de um modo consciente, muito menos pela nossa própria vontade. Assim como é difícil para nós amarmos com toda sinceridade e potência aquilo que não vemos − tipo Deus −, também não é fácil odiarmos o que não enxergamos − tipo o diabo e seu exército −, por isso tomamos emprestadas as imagens daquilo que está diante dos nossos olhos carnais para personificarmos os objetos de nossa devoção ou repulsa. Aí amamos o pastor, o padre, a igreja (o templo, o prédio, ou a filosofia religiosa que ela representa) e odiamos algum grupo que, acreditamos, representa diretamente o mal, o capeta. Na verdade há vários grupos que gostamos de odiar, cada um deles ganhando maior destaque a depender do "drama espiritual" da moda.
Católicos (para os evangélicos), evangélicos (para os católicos), muçulmanos, comunistas, umbandistas, espíritas, esotéricos, ateus, cientistas, artistas em geral, passistas de escola de samba, irmãos de fé mais liberais, irmãos de fé mais conservadores, pentecostais, tradicionais, neopentecostais, adventistas, testemunhas de Jeová, místicos, crentes céticos, pobres − de vez em quando afirmamos que tal família miserável deve estar sob alguma maldição − pessoas prósperas do ponto de vista financeiro − nosso recalque nos faz acreditar que o abonado da vez será o miserável no Reino dos Céus, amém! − tudo aquilo que não sou eu pode ser a encarnação do demônio a qualquer momento.
Dentro dos "arraiais evangélicos" também acontecem muitas coisas que nos irritam, nos deixam indignados, prontos para o combate. Heresias, hipocrisias, estelionatos espirituais, disputa de poder, cobiça, vaidade, todos esses fantasmas, ou demônios, circulam entre nós, enfeitiçam, e, quando conseguimos escapar deles, somos beijados pelo demônio da arrogância e do juízo, descansamos nos braços da falação inoperante que, aliás, deve ser o "pecado eclesiástico" que mais cometo.
Pecado eclesiástico é como eu chamo aqueles tropeços que tanto entristecem a Deus e que só cometemos no ambiente das igrejas:    "fofoca santa", "tribunais espirituais", oração-discurso (aquela movida aos améns alheios e que não serve para a comunicação sincera com Deus) entre muitos outros. Na verdade, esses pecados não acontecem apenas no âmbito eclesiástico, mas ganham sutilezas e bile especial quando praticados entre irmãos.
Entre os pecados de dentro e a pressão de fora, alguns de nós extrapolam, perdem estribeiras, sela e cavalo. Nos enervamos, discutimos, babamos indignação. Preconceitos, injustiças, ira, desperdício, manipulação, tudo isso nos causa tamanha revolta que não conseguimos nos calar, queremos proclamar que o nosso Deus não é assim, que Jesus é manso e sereno, que Ele jamais exporia qualquer pessoa à humilhação, que Ele nos ama e respeita e não nos alcançou por decretos ou imposições, mas pela graça e misericórdia, pelo amor. Queremos ganhar no grito arrogante, não no cotidiano silencioso e amável. 
O problema é que nossa indignação, vertida em ira, é o mais perfeito contratestemunho que alguém jamais pôde conceber. Discutimos, brigamos, esbugalhamos olhos, berramos, fazemos um discurso rotamente disfarçado de humilde, incapaz de esconder nosso orgulho por sermos tão modernos, espirituais, inteligentes. Usamos a ira mais agressiva para impor ao mundo a obrigação de amar. Azedamos o amor.
Por isso que a partir de agora, quero me esforçar para ampliar a minha capacidade de indignação (falta de indignação é uma indignidade) na mesma medida que aumento a minha capacidade de compreensão, de compaixão.
Jesus, diz o Novo Testamento, nunca pecou. Nem por isso Ele deixou de pedir perdão. Ciente de seu papel, do percurso que deveria percorrer para alcançar seu objetivo de salvar a humanidade, Jesus, ao ver aqueles mal-agradecidos que, após passarem muitos dias ao seu redor, maravilhando-se com seus prodígios e ensinamentos, empanturrando-se de pães e peixes multiplicados milagrosamente, compraziam-se na agonia do mestre, clamou ao Pai que perdoasse aqueles pobres diabos que não sabiam o que faziam. Passados mais de dois mil anos, nós ainda não sabemos o que fazemos; nos tornamos cativos da opinião e a transformamos em pecado.
Imagino que hoje mais do que no episódio do Getsêmani, sempre que Jesus nos observa um pouquinho, dá um suspiro profundo, volta-se ao trono do Pai e repete a mesma afirmação-apelo:
Perdoa, Pai, eles ainda não sabem o que fazem.




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