sexta-feira, março 12, 2010

Trocando de colchão

Ontem eu vi o Paulo Miklos, dos Titãs, do filme O Invasor, saindo de uma loja de colchões, em um conhecido e badaladinho bairro de São Paulo.
Não estou mais na fase de me surpreender vendo gente famosa em situações prosaicas, e nem o artista em questão é um Michael Jackson ou uma Ivete Sangalo em termos de fama – se o assunto for talento as coisas relativizam-se até o infinito – mas vê-lo tão perto deu uma mexidinha em alguma parte da memória, dos sentimentos.
Passei a pré-adolescência crendo piamente que os Titãs eram a maior banda de rock do mundo e da História. Achava aquelas músicas do Cabeça Dinossauro e do Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas o que havia de mais revolucionário, independente, anárquico, político, libertário, inovador e raivoso jamais produzido na face da Terra. Queria ser um deles, tocar algum instrumento, gritar para plateias ensandecidas, falar palavrões, talvez até fumar um baseado, por que não? Achava aqueles caras o máximo! Eles eram o colchão que sustentava os meus sonhos!
Agora, vinte e tantos anos depois, após ver água passar por debaixo da ponte até de trás pra frente, o mundo não me permite mais desejar essas coisas com a mesma pegada de antes, se bem que não é raro me pegar, nos momentos de devaneios mais livres, diante de imensa multidão repetindo refrões de minha autoria – sim, nos meus devaneios todas as músicas legais do mundo são composições próprias – viajando pra levar música engajada, divertida, lírica, tudo ao mesmo tempo agora, para quem quiser ouvir.
Não ouço mais os Titãs com a mesma reverência religiosa de antes – sou devoto da arte que julgo ser boa, de qualquer dimensão ou religião, mas meu credo tem um Cristo e culto mesmo só a Ele – mas não desdenho da banda e ainda, quando rola, repito “porrada nos caras que não fazem nada”, “ratos/entrem nos sapatos/do cidadão civilizado”, “não precisa ser alguém/eu consigo viver sem/armas pra lutar” e outras muitas músicas que admiro. Meu colchão não é o mesmo da adolescência, mas ainda acomoda sonhos que não passarão de sonhos.
Ah, sim, o Paulo Miklos está em muito boa forma física. Nada que vi nele me gerou qualquer tipo de melancolia do tipo “nossa, o cara mais doidão dos Titãs agora tá aí, decadente, comprando colchão”. Vestido de modo jovial sem parecer ridículo, fazendo as coisas do dia a dia sem a menor pose. Não sei nada da vida pessoal dele, mas acho que, não deixando de levar em conta os percalços pertinentes de qualquer história humana normal e divertida, ele é um vencedor. Viveu da arte, viveu de uma brincadeira, vive ainda, e me faz pensar que, mesmo passando um bocado dos trinta – aniversário mês passado, cabelos brancos e aquela coisa toda – ainda posso correr atrás de um sonho ou outro que não seja deixar “tudo em dia”, pra citar outra do repertório titânico. O próprio Miklos, já passado dos quarenta, sem deixar o ganha-pão da música foi investir na carreira de ator, parece que ainda tem a capacidade de encantar, experimentar, ainda consegue encontrar colchões que lhe caibam. O vendo andando livremente pela calçada, me lembrei de outra música, de outra banda, que diz : “Eu sou meu”. E ainda posso buscar colchões que suportem o peso dos meus sonhos sem que arrebentem!

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