sexta-feira, março 12, 2010

A tia velha que levou o Glauco

Ando me sentindo adulto demais. Claro que tenho saudades da adolescência, quando as preocupações eram se o dia seria de sol para que pudéssemos jogar futebol na quadra da escola, na pracinha. Também sinto falta da infância, quando tudo se resolveria no futuro, as guerras, a falta de grana para ir a algum lugar legal que eu via apenas nas revistas ou na TV, a Copa do Mundo que voltaria a ser nossa...
Mas me sinto adulto demais porque me parece que tudo ao meu redor é adulto e chato demais. O povo do sindicato que me cobra participação “consciente” na greve faz de tudo pra me convencer pelo medo e pela informação truncada; os políticos não vendem mais a ilusão da “esperança de um mundo melhor”, frase que eu ouvia sempre, em espanhol, na abertura de um programa sobre História; as músicas não têm mais nada de poético, lírico, criativo; as novelas já foram todas assistidas.
Os compromissos profissionais – a aula por preparar, as revisões por fazer, as folgas insuficientes, o trânsito – me tiram a vontade de escrever, roubam horas de lazer. Os parentes moram cada vez mais longe, os amigos tresloucados de outrora cada vez mais sisudos, as festas cada vez mais apressadas ou demasiadamente piradas. Parece que é muito difícil nos suportarmos, a nós mesmos e aos outros, sóbrios. E cada vez mais tem gente partindo...
Mas ainda, de vez em quando, eu conseguia escapar de tudo isso. Ainda há músicas legais, de ontem e de hoje; filmes que me transportam por algum momento da náusea do dia a dia, ainda mais quando no cinema (cabeça, blockbuster, não importa), há os contos, os poemas, as crônicas, a piscina, quando sobra tempo e dinheiro uma viagem, e os quadrinhos...
E que bom que há os quadrinhos! As tirinhas! Hábito adquirido na adolescência, as lia diariamente, nos jornais, vez por outra nas revistas da Circo Editorial, enquanto existiram. Era tudo meio adulto, mas bastante escrachado, uma delícia! Quando Chiclete com Banana, Piratas do Tietê e Geraldão deixaram de existir, ainda havia o consolo das tiras do jornal, que tiveram momentos especiais, de muita criatividade, que ainda me ajudavam, a cada manhã, a me sentir, ao menos por dois minutos, antes de sair para pagar alguma conta ou para bater o cartão do pão diário, nem tão adulto assim. Era uma pequena dose de ar fresco matinal.
Aí vão e matam o Glauco, pai do Geraldão e de tantos outros personagens, escrachado, um moleque de 53 anos, ao menos nas tiras – não o conheci pessoalmente, mas as referências são boas. O mundo ficou mais abafado, mais chato, mais adulto. Agora, se a esperança já não é algo que viva sem o senão, parte da molecagem para suportar a burocracia que nos acostumamos a chamar de vida, desapareceu. Agora, do traço explosivo e desbocado, fez-se o silêncio, frio, de gravata, pólvora e sangue.
Essa morte violenta, parece, é uma tia velha, recalcada e muito chata, que se apressa em nos tirar do quintal quando ainda dá tempo de curtir um pouco a brincadeira.

Um comentário:

Dunha Freitas disse...

Esses dias eu estava conversando com o Bira e fiz uma lista de 5 coisas que me fazem sentir mais velho:

-declarar imposto de renda (motivo dessa lista)
-Peceber que voce esta usando mais sapato do que tenis;
-vejo que alguns dos meus amigos já casaram ou tem filho;
-quando uso as expressões to com saudade da minha casa e não posso porque tenho que trabalhar;
-quando lia as tirinhas do glauco e lembro do meu tio.

abraço Pedrão!!

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