sexta-feira, abril 24, 2009

Lista, poluição e o inominável!

Quando falta assunto, é comum entre os cronistas jogar listas de sinônimos na página. Elas dão um ar engraçado, reforçam imagens, “engrossam” o texto. Por exemplo: crônica com “cachaça”, certamente terá pinga, mé, água que passarinho não bebe, aquela que matou o guarda, aguardente, cana, purinha; porre garantido! Alguns desses termos só existem mesmo é no meio das crônicas, o que denuncia sua artificialidade. Outro artifício é falar sobre o tempo: o calor causticante, o tsunami, a floresta incendiada, as geleiras derretidas.
Essas listas não são exclusividade dos cronistas, que precisas escrever toda semana. As conjunções adversativas adoram andar em família: mas, porém, contudo, entretanto, todavia. Talvez, quiçá, quem sabe, as adversativas formem a lista preferida de professores e contadores de casos a cada dia mais reais, como furacões, tempestades e terremotos.
Na maioria das vezes, as listas servem é pra esconder nossa preguiça e desperdiçar o valioso papel. Machado de Assis ensinou que a crônica nasce do banal: alguém reclama do tempo e já temos a desculpa necessária para uma boa conversa – e toda crônica não passa de uma boa conversa. Com o calor que vem fazendo, vivemos a era das crônicas!
Entre os grandes escritores, as listas também aparecem, mas com estilo, não para apenas preencher espaço. Guimarães Rosa, por exemplo, arrolou vários sinônimos nomes para o diabo. Eita cabra pra ter apelido, esse tinhoso! São incontáveis, e existem justamente para que não o chamemos pelo nome. Recusar a (des)graça do cão resulta no oposto, pois em vez de evitá-lo, lhe damos destaque exagerado, para que todos saibam de quem não estamos falando: não o queremos por perto e não paramos de citá-lo!
Ele é o diabo, satanás, o cão, tinhoso, pai da mentira, rompe-mato, o barriga-dura, astarote, baal, rei de Tiro, leviatã, gramunhão, cabrunco, demóstenes, pé-de-cabra, bode-preto, chifrudo, zé-pelintra, dragão, grande prostituta, couro-de-sapo, reza-curta, comunista, santantão, rasculeno, tripa-torta, repelente, indigitado, indizível, cabeça-de-área, anticristo, zero-zero, capeta, esbugalho, encruzilhado, é o caboclo sete-folha-verde, ossanhoxossuê, regra-frouxa, príncipe deste século, maligno, cavalo-em-casco, chá-de-pão, nem-me-diga, chega-e-vira (isso é nome de passarinho!; passarinho pega bem em crônica!), a serpente, o valente, cartola (não o músico!), coxinha, bruaca, rebordosa, patrão, relógio-de-ponto, série B, sogra, ré-no-quibe, baba-canivete, música-de-trabalho, babilônia, meia-meia-meia, adversário, inimigo das nossas almas, anjo caído, inominável, é o lúcifer.
Se a lista resulta inútil – não a de Guimarães Rosa: a minha – ao menos preenche o espaço da coluna. Estou virando cronista profissional!
Mudando de assunto (ainda temos espaço): e o aquecimento global, hein?
Deveria ser sabido de todos que o aquecimento global não é assunto exclusivo de ativistas ambientais: sem vida, não há ideologia possível. Não é frescura de jovem rico procurando algo para se rebelar, nem golpe de grande laboratório querendo vender algum creme milagroso contra raio ultra-violeta; também não é lenda urbana ou mero tema para filme americano: caminhamos para o fim do mundo, o apocalipse, a consumação dos séculos, o armagedon, o the end...
Bom reflexo de nossa maneira narcisista de viver, interessada no aqui e no agora, nosso descaso com a natureza gera uma justa resposta: a terra treme, o vulcão vomita, o furacão engole casas, o sol racha solo e cucas, a neve soterra carros e plantações, o mar devora cidades, pescadores e turistas. Mesmo assim, mantemos nossos hábitos “civilizados”: jorramos dióxido de carbono pelos ares, mutamos alimentos em venenos cancerígenos, arrancamos árvores descontroladamente, promovemos queimadas, endurecemos pulmões (nossos e alheios) com nicotina, estouramos tímpanos com barulho excessivo, espalhamos cartazes, placas e faixas sem o menor critério, soltamos balões, “genocidamos” sem clemência ou motivo. A exemplo do que fazem com o diabo, evitamos o problema enquanto nos afundamos nele: bitucas de cigarro, latas de alumínio, garrafas, embalagens plásticas, tudo pelas ruas, entupindo bueiros, emporcalhando rios, chamando enchentes; desperdício de água, de eletricidade – mil aparelhos ligados ao mesmo tempo – buzinas gritando, simpatia negada, solidariedade economizada, papel desperdiçado; nada disso, fingimos, interfere na saúde precária do planeta: canastrões, interpretamos o papel de vítima do sistema.
E ri-se satanás, o racha-cuca, o água-poluída, o efeito-estufa, o não-reciclado, o desmatamento, enquanto o sol desaba sobre nossas cabeças, sobre nosso futuro...
Contudo, existe uma lista de três palavrinhas, não de sinônimos, que contém os elementos necessários para reverter nossa história: fé, amor e esperança.
Tem feito calor ultimamente, não?

2 comentários:

João Paulo Gouvêa disse...

è Faltou Assunto !!!!
KKKKKKK!!!!

Janette Flausino disse...

Oi, Pedro,
Gosto muito disso... dessas conversas...
Sobre nós e o nosso mundo realmente é triste constatar que o homem é o único ser vivo que destrói o ambiente em que vive. E q gde ironia é o animal racional...
Qto ao inominável... foi divertido ler a lista e pensei nas inúmeras vezes q xingamos alguém - irmão, amigo, cunhada, chefe, sogra, desafetos - e ñ podendo sair da pose dizendo aquela série de palavras q irão macular nossa audição, nos apossamos de muitas dessas palavras com a maior tranquilidade... kakakakaka

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