terça-feira, abril 07, 2015

Um sonho Criolo


Em 1999 três coisas banais aconteceram. Comecei a trabalhar como professor, fiz amizade com um colega de escola e comprei um CD duplo do Chico Buarque.
Uma quarta coisa também aconteceu: fui ao show As Cidades, do Chico Buarque, duas vezes, uma delas com meu pai. Fiquei anos em pleno devaneio no qual fazia uma turnê com o próprio Chico, cantando músicas minhas e dele. Sim, nos meus devaneios eu sabia tocar violão, era membro de uma banda de rock de sucesso e dava um tempo na carreira do grupo para tocar com meu maestro soberano. Sempre que ouvia aquele CD comprado em 1999 me via no palco ao lado do mestre.
Aquele meu amigo da escola, colega de profissão, também sonhava, tinha seus devaneios. Por coincidência, ele também desejava a música, mais especificamente o rap. Mas, diferentemente de mim, que até hoje não sei fazer um acorde no violão, esse meu amigo batalhou no hip hop como poucos, não desistiu de seus sonhos − embora tenha chegado muito perto disso − e chegou onde eu só conseguiria ir mesmo nos devaneios.
Aquele meu amigo se chamava Kleber, mas hoje é conhecido internacionalmente como Criolo. Quando canta, no Circo Voador, na França, no Lollapalooza ou no Centro Cultural Palhaço Carequinha, no Grajaú, realiza com alegria seu projeto pessoal, mas alimenta os sonhos de muitos de nós das quebradas que ainda lutamos para fazer arte, de qualquer tipo. Desisti cedo da música, embora ainda me imagine, de vez em quando, em algum palco da vida por aí, mas me agarrei às palavras em praticamente todas as suas vertentes estéticas como tábua de salvação, como um meio de compartilhar, celebrar e sangrar a vida. Como eu, há milhares, milhões, que ao ver o sucesso de Racionais e Criolos acreditam que há espaço para nós − e se não houver, sempre pode ser tomado de assalto, com manha, com graça.

Quando soube que Criolo cantaria em um show no Parque do Ibirapuera ao lado de Chico Buarque, celebrando os 70 anos do sambista, não pude deixar de me emocionar e de me sentir devidamente representado. Mesmo sem poder ir ao show, me senti um pouquinho no palco também. Afinal, da ponte pra cá, somos todos criolos, no sonho, na perseverança, na língua que inventamos, no amor que colorimos, na comunhão que dividimos. Evoé axé, amém aleluia!

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