Em 1999 três coisas banais aconteceram. Comecei a trabalhar
como professor, fiz amizade com um colega de escola e comprei um CD duplo do
Chico Buarque.
Uma quarta coisa também aconteceu: fui ao show As Cidades, do Chico Buarque, duas
vezes, uma delas com meu pai. Fiquei anos em pleno devaneio no qual fazia uma turnê
com o próprio Chico, cantando músicas minhas e dele. Sim, nos meus devaneios eu
sabia tocar violão, era membro de uma banda de rock de sucesso e dava um tempo
na carreira do grupo para tocar com meu maestro
soberano. Sempre que ouvia aquele CD comprado em 1999 me via no palco ao lado
do mestre.
Aquele meu amigo da escola, colega de profissão, também
sonhava, tinha seus devaneios. Por coincidência, ele também desejava a música,
mais especificamente o rap. Mas, diferentemente de mim, que até hoje não sei
fazer um acorde no violão, esse meu amigo batalhou no hip hop como poucos, não desistiu de seus sonhos − embora tenha
chegado muito perto disso − e chegou onde eu só conseguiria ir mesmo nos
devaneios.
Aquele meu amigo se chamava Kleber, mas hoje é conhecido
internacionalmente como Criolo. Quando canta, no Circo Voador, na França, no
Lollapalooza ou no Centro Cultural Palhaço Carequinha, no Grajaú, realiza com
alegria seu projeto pessoal, mas alimenta os sonhos de muitos de nós das quebradas
que ainda lutamos para fazer arte, de qualquer tipo. Desisti cedo da música,
embora ainda me imagine, de vez em quando, em algum palco da vida por aí, mas
me agarrei às palavras em praticamente todas as suas vertentes estéticas como
tábua de salvação, como um meio de compartilhar, celebrar e sangrar a vida.
Como eu, há milhares, milhões, que ao ver o sucesso de Racionais e Criolos
acreditam que há espaço para nós − e se não houver, sempre pode ser tomado de
assalto, com manha, com graça.
Quando soube que Criolo cantaria em um show no Parque do
Ibirapuera ao lado de Chico Buarque, celebrando os 70 anos do sambista, não
pude deixar de me emocionar e de me sentir devidamente representado. Mesmo sem
poder ir ao show, me senti um pouquinho no palco também. Afinal, da ponte pra
cá, somos todos criolos, no sonho, na
perseverança, na língua que inventamos, no amor que colorimos, na comunhão que
dividimos. Evoé axé, amém aleluia!
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