terça-feira, agosto 06, 2013

E o Paulo Coelho, hein?


 

Alguns meses atrás, exumaram o cadáver da polêmica entre Paulo Coelho e  a crítica literária. Entre frases desagradáveis e textos "acadêmicos", como um que saiu na Folha, do sociólogo Fernando Antonio Pinheiro, nada de novo no Caminho de Santiago.

Toda essa balbúrdia literária chegaria a um fim se cada um ficasse em seu lugar. Muita gente esperneia a falta de reconhecimento do talento literário de Paulo Coelho ao mesmo tempo em que empinam seus narizes e afirmam que  a crítica não serve pra nada, é burra, preconceituosa, elitista, redundante e que o mago não precisa dela pra nada. Ora, eu não me preocupo com o reconhecimento de quem não admiro, não respeito e cujo trabalho não me parece sequer útil. De todas essas afirmações que soam democráticas, libertárias e modernas, a única que me faz sentido, que é realmente verdadeira: Paulo Coelho não precisa, nunca precisou da crítica. Justamente por não precisar dela, por vender muito  bem sem apoio cultural ou resenhas simpáticas, não faz sentido que as pessoas se incomodem com a torcida de narizes que os acadêmicos dão. Cada um seu canto, cada coisa em seu lugar. Aliás, Raquel Cozer já divulgou em seu blog texto baseado em pesquisa que afirma: resenhas e matérias nas páginas culturais de revistas e jornais ajudam muito pouco a vender livros.

Não sei se algum crítico sobre a crítica que ignora Paulo Coelho já procurou saber por que o bruxo não faz o mesmo sucesso na academia (não digo na ABL) que faz nos saguões de aeroportos, na internet, nas livrarias, no Irã. Chamar um grupo inteiro de profissionais, intelectuais, estudiosos da literatura, grupo bem heterogêneo que, apesar de relativamente pequeno, abarca diversas linhas de pesquisa e posições ideológicas, de preconceituoso, burro e elitista, pra mim, é uma postura preconceituosa, burra e "popularista". Há algumas razões para Paulo Coelho não fazer repercutir seu estrondoso sucesso nas salas de aula, nos gabinetes. Procurem saber!

Digo aqui uma que percebo de longe e de há muito: os livros de Paulo Coelho "problematizam pouco". O que quero dizer com isso? Que eles, em sua simplicidade, singeleza, em suas parábolas diretas, em suas comparações explícitas, em seu enredo de fácil assimilação, em suas lições de alcance universal, não oferece muito espaço para explorações, análises, interpretações. Estou certo de que esses recursos são intencionais e que o autor busca com eles alcançar um grande número de leitores, muitos deles pouco afeitos com outros tipos de literatura. Não há pecado algum nisso, e se o cara não fosse bom no que faz, não teria o sucesso que alcançou. Agora, esperar que estudiosos da literatura tenham obrigação de reconhecer o talento "indiscutível" de Paulo Coelho é demais. Há entre professores de literatura e críticos quem discorde sobre o talento e a genialidade de Machado de Assis, de Guimarães Rosa, José de Alencar, Drummond, Oswald de Andrade, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Paulo Leminski, Lima Barreto, Ferreira Gullar, Luis Fernando Veríssimo, Manuel Antônio de Almeida, Clarice Lispector, Murilo Mendes, Lygia Fagundes Telles, isso para ficar apenas entre os brasileiros. Por que Paulo Coelho deveria ser alçado automaticamente do sucesso na livraria para o sucesso acadêmico?

Aí o defensor de Paulo Coelho dirá, com razão, que todos os autores citados acima − eu gosto de alguns, desgosto de outros − têm seus defensores e detratores, enquanto Paulo Coelho só tem detratores. Que estranha unanimidade seria essa que irmana toda a crítica brasileira − a ignorância no assunto me faz desconhecer se a unanimidade entre os críticos é universal − contra o autor de O alquimista? Não creio na unanimidade sobre Paulo Coelho: é possível que haja professores universitários dos cursos de Letras que sejam admiradores de Brida ou do Diário de um mago. Nem por isso, até agora, houve um grande movimento no sentido de analisar sua obra, pelas razões que já dei acima. Enquanto Machado de Assis produz frases famosas, como "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis", para citar uma fala célebre, criativa, irônica, famosa, entre tantas outras que poderíamos usar, Paulo Coelho escreve "Quando você realmente deseja uma coisa, todo universo conspira ao seu favor", que, cá pra nós, não é nenhum exemplo de frase lapidada e sequer deve ser levada a sério fora dos círculos da teologia da prosperidade ou das editorias de autoajuda.

Um outro motivo para não vermos uma fortuna crítica de peso sobre Paulo Coelho é que ele não tem uma obra literária de vulto (pronto, falei). Seus livros são quase sempre histórias para "aquecer o coração do leitor", pano de fundo para que frases de efeito e fórmulas de autoajuda ganhem algum destaque. Olha só: "Não tenha medo do sofrimento, pois nenhum coração jamais sofreu quando foi em busca dos seus sonhos". Não tem muito cabimento dizer que Paulo Coelho faz uso do senso comum de forma "consciente" para justamente "criticar" o senso comum, enquanto conquista um número de maior de leitores e espalha sua mensagem de paz e fraternidade entre os mansos da terra.

Confesso que as frases foram colhidas na internet e que podem muito bem ser apócrifas. Mas vai me dizer que isso faz mesmo alguma diferença? Quem é fã de Paulo Coelho não é porque vê em seus livro alguma semelhança com Shakespeare, Thomas Mann ou Borges: são fãs por causa dos livros que o próprio Paulo Coelho escreveu. E nem cola aquele papo batido de que o cara começa lendo livros do bruxo pra depois ler Dostoiévski: Paulo Coelho amortece o sofrimento com doses de ilusão, o gênio russo nos choca com a miséria da condição humana. Cada um escolhe suas armas para suportar a existência humana, uns repetindo mantras fofinhos, outros tomando consciência da dor universal, para depois lidar com ela. Uns gostam, precisam da surpresa escondida na arte (ler Adorno), outros querem apenas relaxar com a previsibilidade. Cada universo, suas regras, seus antagonistas.

Nem todo sincretismo é legal. Então, aos coelhistas, peço que não cacem chifres em ovo, tampouco cabelo em testa de cavalo: ou não existem, ou os há em tamanha quantidade que denunciá-lo é a mais infrutífera das decisões.

 

 

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