terça-feira, fevereiro 19, 2013

Yoani Sanchés: os aloprados são ambidestros



Enquanto a história vai se desenrolando, a gente precisa ir aprendendo a observar a realidade, a mudar de lado quando for necessário − sem ter de ser chamado de traidor − a gente precisa aprender a usar o bom-senso!
A violência das ditaduras populistas e militares espalhadas pela América Latina, com seus torturadores, com suas mordaças, fez que muitos de nós criássemos um mito sobre Cuba, que acreditávamos ser um oásis de igualdade e justiça social. De fato, e muitos me odiarão por isso, há que se respeitar Cuba por muitos motivos, em primeiro lugar porque Cuba não é Fidel e Raúl Castro, mas um país de cultura riquíssima, com música e literatura de destaque, que brilhou nos esportes olímpicos durante muito tempo, com a devida ajuda de países aliados, não é necessário negar: Cuba é um país onde mora gente.
Mas Cuba não é só isso. O caminho para essa justiça social passou pela perseguição, pela censura, pelo silêncio e, sob muitos aspectos, pela socialização da pobreza. Não sou especialista em Cuba, mas também não sou tão ingênuo assim: sei dos múltiplos interesses que existem em desqualificar o regime político em Cuba, mas também sei que há perseguição política e que as pessoas de lá não estão nadando em dinheiro: na verdade, muitas delas nadam entre tubarões para tentarem uma vida melhor em Miami.
O governo cubano, como qualquer regime autoritário, é medroso e covarde, teme e persegue seu próprio povo. Mas Fidel e Raúl Castro não são a encarnação do demônio, não são a representação dos piores governantes que o mundo já viu. Acredito que não são sequer os piores governantes em atividade no planeta. O Oriente Médio tem gente pior; a China, que de vez em quando é citada como exemplo de crescimento econômico, é agressivamente capitalista na hora de fazer negócios e estupidamente comunista na hora de desprezar a liberdade de expressão e de defecar em cima da democracia. Por que não vemos senadores tucanos fazendo discursos apaixonados quando o governo chinês faz alguma atrocidade? Meu palpite vai sobre  hipótese de que a China é um gigante econômico, parceiro do Brasil em várias empreitadas, traz dinheiro pra cá, enquanto Cuba, quando fecha alguma parceria entre nós é nas áreas sociais; e tem outra: é muito mais fácil chutar cachorro magro.
Mesmo execrando a falta de democracia, tendo repulsa pelos bolsões de pobreza que obrigam o povo cubano a viver de jeitinhos, tenho um respeito reverente e me solidarizo com o povo. Há muita gente infeliz por lá, e essa infelicidade deve ser levada em conta, não pode ficar abaixo dos ideais revolucionários: qualquer revolução séria deve ter como intuito deixar as pessoas mais felizes, e não torná-las autômatos a repetir o discurso de uma nota só. Acredito que foram esses autômatos, em sua versão brasileira, que hostilizaram Yoani Sanchés, a jornalista cubana que visita o Brasil essa semana, após alguns anos tentando conseguir um visto para deixar, provisoriamente, o país.
O tratamento dispensado a ela tem sido covarde, pautado não pela defesa de ideias, mas por gritos de slogans, como a própria Yoani apontou com precisão. A mulher merece respeito pela sua postura de resistência; mesmo que ela seja uma "agente a CIA", do que a massa de manobra que acordou de madrugada para a receber com xingamentos e palavras de ordema jornalista a acusa, a mulher passou anos morando em Cuba e criticando o governo dos irmãos Castro. É preciso coragem para isso.
Também é preciso imparcialidade, reconheço, para avaliar se as suas acusações procedem ou não. E isso, me parece, não há. Seus opositores a transformam em um porco capitalista, seus falsos admiradores a fazem sangrar para manchar a imagem do governo. Há ainda os que a seguem pelas redes sociais, os que digitam "Liberdade para Yoani!", apenas porque soa descolado. Poucos estão realmente do lado dela, não vi ninguém que se opusesse com bons argumentos, sem arreganhar os dentes.
O que é triste, mas necessário, é reconhecer que, sem deixar de lado os reais interesses da oposição, esse tucanato que põe o mercado e o lucro acima de qualquer outro valor, está fazendo um papel interessante. É preciso cobrar satisfações da embaixada cubana e do funcionário do governo que, parece, arregimentaram esses agitados gritalhões que não sonham ir morar em Cuba, lá a internet não é 3G e muito menos ilimitada. Essa história de dossiê falando cobras e lagartos de Yoani precisa ser esclarecida, pois é de uma covardia atroz. E a revista Veja? Deve, realmente, ser parabenizada por conseguir apurar essa história do dossiê, por cobrar esclarecimentos e punições.
Não gosto de parabenizar o tucanato, nem de reconhecer os méritos da Veja. São dois grupos com os quais não me identifico nem de longe. Na verdade é um grupo só, a Veja é o Pravda dos tucanos, cuja agressividade e falta de "decoro", compartilhada por cães raivosos de outras trincheiras, como Rodrigo Constantino, Arnaldo Jabor, Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi entre outros que olham com profundo desprezo para tudo que cheire a classes populares. E isso é o que me azeda o arroz: dessa vez, boa parte do que dizem, por vezes até os xingamentos pouco criativos ("burros", "imbecis", "energúmenos", "picaretas"), faz muito sentido.
Nesse caso da Yoani, os cães raivosos, a Veja e o tucanato, estão com a razão. Sad but true.

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