quinta-feira, julho 12, 2012

Quando a amizade acaba?



É certo que existem amizades que podem superar coisas aparentemente inconciliáveis. Hoje, na escola, presenciei algo que vinte anos atrás seria bem pouco provável e, na verdade, atualmente, entre adolescentes, bastante difícil de acontecer: dois colegas de classe, aspirantes a cantores, um de pagode, outro de rock, ao ouvirem a minha sugestão de futuramente gravarem um disco que misturasse os dois estilos – algo dito de brincadeira, pois não aguento mais essas antropofagias sincréticas mercadológicas – não fizeram cara de nojo ou espanto; na verdade, acharam algo interessante, ainda que pouco viável.
Amizades nascem de afinidades, lógico, mas não precisam segregar os diferentes. Meus melhores amigos da adolescência gostavam do mesmo estilo de música que eu; os dos tempos de faculdade, dos mesmos escritores, outros catados por aí, tinham afinidades ideológicas, e muitos não têm quase nada em comum, tirando o fato de compartilharmos a mesma fé.
Na verdade, eu sempre fui alguém deslocado: na família católica, era o “bode protestante”; na igreja batista, o “roqueiro socialista”; entre os parceiros de música, o “crente que curtia MPB”; na faculdade, o “tonto religioso de direita”, por não apoiar partidecos bolcheviques e assembleias estudantis mais viciadas que roleta de cassino clandestino. E em todos esses lugares convivi com pessoas admiráveis, mantive amigos, alguns perdidos, outros distantes, outros sempre por perto.
Se é possível construir amizades entre pessoas tão diferentes, também é possível sufocá-las até mirrarem. Não pergunto sobre as obviedades, traição, dinheiro, mulher. Nesses casos, muitas amizades não eram sinceras, outras, de tão verdadeiras, com uma boa dose de perdão e tempo, podem reflorescer. Não falo da distância física, que até pode alargar os relacionamentos, mas todo mundo tem aquele amigo que não vê há muito tempo e num simples restabelece a intimidade o afeto escondido debaixo da poeira das obrigações. Então, o que pode gerar um rompimento?
A amizade sempre gravita em torno de um ponto de afinidade. Aquele meu amigo ex-malufista, corintiano, admirador de regimes totalitários, chegado a formas militares de administração, frequentava a mesma igreja que eu. Posso dizer, com medo de parecer piegas, que Jesus nos unia. Mas seria só Jesus, o que para nós não é pouco, se eu, na convivência com ele, não visse ali um cara que busca sempre a justiça, que é solidário, humilde de verdade, generoso, responsável, verdadeiro, divertido, afável. E essas qualidades foram, com o tempo, ocupando espaços em minha vida, a ponto de ele ser mais próximo e querido por mim do que muitos outros com menos “defeitos” – sei que as aspas são desnecessárias, estão aqui para fazer média.
Aí eu penso, se esse meu amigo, de repente, perdesse a generosidade e virasse um cara mesquinho, arrogante, soberbo? Aí, o ponto de afinidade ainda nos uniria, embora nossas relações esfriassem significativamente. Se, além dessas mudanças todas um de nós deixasse a fé, é provável que a amizade terminasse – embora, eu deva dizer, não sei o que esse cara viu em mim para que fôssemos amigos.
Então a amizade acaba quando as pessoas mudam, seguem trajetórias diferentes, quando um passa a desprezar, ou odiar, aquilo que o outro ainda admira, caso não tenham surgido outros pontos de contato. Quando os rumos divergem, a lembrança dos bons momentos vividos pode sustentar a relação, mas ela será cada vez mais frágil. Caso a admiração, ou a gratidão, coisas comuns entre amigos, se esfacele, fica, no máximo, a obrigação e o respeito de protocolo, que é a morte de qualquer amizade, mais letal que a traição, eu acho.
Tenho observado amizades que passam por períodos críticos. Uma frustração – “achei que poderia contar com aquela pessoa nesse momento tão difícil” – a perda do ponto de contato – “antes a gente pirava naquele autor, agora o cara diz que só os ingênuos podem gostar daquela porcaria” – o cultivo do rancor, que é o cupim dos relacionamentos. Também percebo que a ausência indiferente pode corroer.
Mas, acredito, por fácil que seja ver uma amizade se desmanchar igual chocolate fino em língua de criança, o perdão é o melhor desfibrilador. A saudade também pode ajudar muito nesses casos. Se não pode haver perdão, se não existe saudade, será que um dia houve mesmo amizade?

Um comentário:

Marcos Faria disse...

Pedro, manda teu texto pro Off-Granta.
http://offgranta.wordpress.com
Abraço,
Marcos

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