quarta-feira, maio 02, 2012

Teatro presta?

Teatro é uma das três artes mais defendidas e contestadas ao mesmo tempo que eu conheço. As outras duas são a literatura – fundamental ou ultrapassada? – e o Neymar, que já virou uma arte autônoma (mas não é bem contestado: ele suscita a inveja entre os que não torcem para o glorioso). Recentemente, li no blog da Raquel Cozer (segue link completo aqui) que o teatro recebeu um singelo pedido de suicídio por parte de um cara importante lá da Colômbia. Semanas depois, revisei um livro sobre ensino de teatro nas séries iniciais do Fundamental I. Senti comichões de escrever sobre o assunto. Começo confessando: não vi muitas peças ao longo da minha vida. Os teatros eram longe e caros. Nenhuma política de formação de público teatral me alcançou. Alguém dirá que há peças gratuitas e que os CEUS espalhados pela periferia oferecem, vez ou outra, espetáculos teatrais. Ano passado, assisti a uma exibição teatral gratuita em um CEU aqui perto de casa. A montagem foi feita graças a uma edital de fomento ao teatro popular. Antes tivesse ido a uma missa do padre Marcelo, eu, protestante que não simpatiza com movimentos carismáticos. Não direi que o dinheiro foi jogado fora; financiar peça ruim sempre é melhor que deixar a grana escorrer pelas cachoeiras da corrupção. Mas se o meu referencial de teatro fosse apenas aquele – como, aliás, era o caso de muitos da plateia – o teatro teria morrido para mim exatamente ali. Na verdade, o teatro tem vantagens que outras artes não possuem. Para começar, é algo construído sempre coletivamente. A literatura, mesmo com seus saraus, sempre exigirá, em algum momento, o ato solitário da leitura – na verdade, ato falsamente solitário, mas outro dia falo sobre isso –; a música pode ser curtida entre nós e os fones de ouvido, apenas. O teatro só é teatro quando os artistas estão cara a cara com a plateia. O palco e a cochia são espaços em que diferentes talentos podem se combinar. O texto, o cenário, o figurino, a iluminação e a interpretação são a soma de esforços, de artes distintas. Outra vez o coletivo se fazendo necessário. Uma encenação, para ser boa, não precisa ser cara. Podemos dispensar até o cenário e o figurino, na verdade. Uma banda precisa de amplificadores, de instrumentos que não são necessariamente baratos; o cinema precisa de equipamentos, ainda que, verdade seja dita, vão surgindo ferramentas cada vez mais baratas, mas sempre necessárias. Também é verdade que a arte da representação é a arte do fazer; a música pode, muitas vezes, ser apenas a arte do sentir, e a literatura a arte do refletir. Sentir e refletir são essenciais para o ser humano; sentir e refletir fazem parte da experiência com o teatro. Música e literatura também podem nos lançar para a tomada de atitudes; contudo, o teatro sempre será algo prático, os atores sempre estão executando alguma coisa diante de ossos olhos – e o exemplo é o maior do incentivos para qualquer coisa prática. Mas o teatro, quando não é autêntico, é a mais desprezível das artes. Podemos pensar na enxurrada de musicais que atualmente nos sufocam. Não há nada de errado em musicais, tirando o fato de que os atuais são caros caça-níqueis com apenas duas funções: a primeira, legítima, é a de entreter; a segunda, a de fazer uma determinada camada da sociedade lambuzar-se com um aguado verniz cultural. O teatro também não é autêntico quando vira um fim em si mesmo, ou, melhor dizendo, quando a sua única função é não deixar de existir, é manter o emprego, ou o subemprego, de atores, iluminadores etc. É quando vemos as caças aos editais para que peças vazias sejam montadas. É quando o público deixa de ser importante. É quando o dinheiro público que patrocina montagens esdrúxulas deixa de ser usado para formação de público. É quando companhias de quinta categoria fazem montagens acéfalas e sem arte de “adaptações” de livros constantes em listas de vestibular – há exceções; vi uma montagem sobre poemas de Drummond que era algo de especial; em compensação, outra sobre Memórias de um Sargento de Milícias não passou de um engodo em uma sala empoeirada e prestou dois desserviços: um à literatura e outro ao próprio teatro. O teatro não deve morrer, embora alguns de seus profissionais tentem desligar seus aparelhos. E não morrerá na medida em que haja pessoas e políticas interessadas na formação de público e na construção de uma arte útil e necessária, em vez de buscarem exclusivamente o seu quinhão. É claro que o dinheiro precisa circular dos dois lados das cortinas, mas as pessoas também precisam ser atraídas, precisam conhecer o que é, de fato, o teatro – certamente algo que vai além das comédias fáceis, dos stand ups xucros e dos musicais luxuentos. Teatro nas escolas, nas praças e, por que não?, nos teatros. Pessoas nos teatros. Dramaturgia nos teatros. Arte nos teatros. Teatro como veículo de formação artística e cidadã. Aí, sim, algo valerá a pena, apesar de tantas almas pequenas.aqui

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