quarta-feira, setembro 01, 2010

Ataque frontal

Aqui, apresento uma reflexão nada acadêmica sobre ideias contidas no Anticristo. Depois, mando mais um contra-aforismo.


Muita gente vê com péssimos olhos o cristianismo. Guerras, escravidão, especulação financeira, xenofobia, pena de morte, imperialismo, proibição cínica às drogas, conservadorismo, Corinthians, charlatanismo, tudo de ruim é culpa da religião em geral e, no ocidente, do cristianismo em suas mais variadas vertentes. Aliás, o fato de haver inúmeras vertentes do cristianismo já aponta para o fracasso de seus princípios: se não conseguimos entrar em acordo entre nós, como vão acreditar em nossa pregação a respeito de um reino futuro sem demandas ou diferenças, onde todos serão de todos amigos, súditos de um mesmo Rei, felizes? Não conseguimos concordar nem sobre o caráter do próprio Deus a quem dizemos conhecer tão bem...
O principal problema desse tipo de crítica não é a falta de fundamento, já que muita atrocidade existente no mundo é praticada por cristãos e, pior ainda, não raro em nome de Deus. A falha é atribuir a Cristo responsabilidades que ele de fato não tem.
Nietzsche sabia disso, ou ao menos deveria saber. Tanto que seus ataques não são direcionados a Jesus, mas ao cristianismo, para ele duas coisas bastante distintas e mesmo dissociadas . Mais uma vez, devemos dar ao filósofo ao menos uma cota de razão. Não podemos responsabilizar Jesus pelas cruzadas, pelo genocídio de índios, pela escravização de negros, pela perseguição aos judeus no regime nazista, pela guerra do Iraque, pela Inquisição, pelo genocídio de camponeses que acompanhou a Reforma Protestante ou pelo pensamento fundamentalista, xenofóbico e genocida da ku klux klan. Contudo, à frente de cada um desses eventos, a cruz era o estandarte: os seguidores de Cristo, dizendo cumprir mandamentos seus, promoveram boa parte das desgraças humanas históricas.
Mas, se engana quem acreditar que as críticas de Nietzsche eram a respeito da violência engendrada por católicos, ortodoxos e protestantes. É possível que alguns desses atos fossem aplaudidos de pé pelo prussiano. Qual é a primeira e forte crítica que surge em O Anticristo contra o cristianismo? A tendência à piedade, à compaixão, que Nietzsche considerava a grande fraqueza humana.
Para ele, o cristão é a “grande besta humana” . O cristianismo é um modo de vida que valoriza os fracos, os incompetentes, dissemina a compaixão, inferioriza os fortes. E, sem a devida valorização dos fortes, sem o desejo de poder – raiz de tudo o que é bom, segundo o bigodudo – a humanidade tende a enfraquecer-se. Os fracos, em vez de receberem piedade e compaixão, devem ser aniquilados.
Se o leitor menos inteirado do assunto notar uma semelhança entre estas ideias, apresentadas logo no início de O Anticristo, e as bases do fascismo, não estranhe: elas realmente foram usadas na formulação ideológica do nacional-socialismo de Hitler e por outros ditadores da primeira metade do século XX, de Mussolini a Franco, passando por Salazar e chegando à América Latina com a simpatia de Getúlio Vargas e a competência carniceira de Pinochet. Hoje, muitos dizem que Nietzsche teve suas reflexões distorcidas para que estas atendessem ao real interesse da extrema-direita europeia. Depois veremos se isso é verdade ou não.
Verdade mesmo é que este pensamento voltado para a busca de poder, de elevação, de superioridade, de subjugar e eliminar os mais fracos, alastrou-se pela Europa na primeira metade do século XX. Se pensarmos no futurismo de Marinetti, que exaltava a guerra, as máquinas e execrava as bibliotecas, museus, as mulheres e etnias consideradas inferiores, veremos reflexos de conceitos nietzschianos, por exemplo. Ainda que o filósofo alemão não fosse um entusiasta da modernidade, posto que sua paixão e seus referenciais estivessem na Antiguidade Clássica e no Renascimento, nos parece óbvio que o poder, para ele a base do que é bom, é manifestado com maior destaque quando comparado a algo ou alguém que não dispõe do mesmo poder. É a óbvia experiência do contraste: para que eu me sinta belo, a figura do feio se faz necessária; no entanto, o mesmo ideal de beleza justifica que o feio, o pobre, o fraco, sejam exterminados. Isso fica mais claro quando pensamos que não há limites nesta busca pelo poder declamada por Nietzsche, onde a guerra deve ser exaltada, em detrimento da paz. Esta parte da lição, Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Pinochet, Bush, Slobodan Milosevitch, Nicolai Ceausescu, Stálin, e alguns outros ditadores e/ou genocidas aprenderam muito bem. Quais foram as referências históricas de Nietzsche? Os ditadores e imperadores da Antiguidade.
Verdade é que estamos apenas nas primeiras páginas do livro aqui esmiuçado; também, sempre é bom lembrar, não há aqui nenhum tratado filosófico. Vamos prosseguir para ver a que conclusão chegaremos, e nossa opinião pode mesmo mudar, pois defendemos ardorosamente o direito do homem a mudar de opinião, sabendo que com isso concordarão Ferreira Gullar, Fernando Henrique Cardoso, Ronaldo Fenômeno, Eduardo Paes, Gilberto Kassab, Lula, Fernando Collor et caterva.

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