quinta-feira, maio 26, 2011

CQC e as opiniães

Não sou fanático, mas gosto de assistir ao CQC, que me distrai e até presta algum serviço. É bem verdade que há algo de arrogante, grosseiro e demagógico por parte de alguns de seus integrantes; mas, em tudo na vida, a gente precisa aprender a reter o que é bom. E, para o padrão atual da televisão, em especial da aberta, o programa se destaca.
Na última segunda-feira, 23 de maio, mesmo retendo o que foi bom, o CQC me incomodou muito mais do que divertiu. Dessa vez, não foram comentários infelizes sobre suicídios e orfandade, tampouco as piadas escrotas sobre pessoas feias e/ou sem estudo que os homens de preto costumam cravar em stand up comedies e twitter. Os repórteres do CQC, nem sempre tão espertos e descolados, resolveram fazer piada e pseudocrítica sobre uma cartilha da Ação Educativa, aprovada pelo MEC, que lidava com diferentes registros linguísticos.
Gosto de acreditar na boa fé das pessoas e tenderia facilmente a supor que os rapazes do CQC leram a tal cartilha e não entenderam nada. No entanto, isso me forçaria a supor que o grau de letramento deles é muito baixo, posto que o texto é claro e claríssimo. Ao contrário do que afirmam – não só os repórteres do referido humorístico, mas boa parte da imprensa – o texto não coloca todas as variantes linguísticas em um mesmo nível e para os mesmos usos, tampouco afirma que, em matéria de comunicação, “tudo é válido”. Após afirmar que podemos dizer algo como “os livro”, a cartilha avisa que não devemos fazer isso em todas as situações. Antes, informa que a escrita tem normas distintas da fala, reforça que as pessoas que têm acesso à educação formal tendem a se aproximar mais da norma culta e que a falta de trato com esta (essa?) norma pode nos fazer vítimas de preconceito linguístico. Os responsáveis pelo tão criticado texto, está claro, não estão bradando que podemos “falar errado”, como os integrantes da trupe do CQC fizeram crer – e como falam, se cairmos nessa (nesta?), ingenuidade de certo e errado, os integrantes do humorístico. Eles mesmos, estou certo, usam frases como “chama ele”, “pega ela” “beijou ele”, começam períodos com construções do tipo “Me fala”, “Me dá”, “Me ajuda” “Te falei”, misturam segunda e terceira pessoa do singular “se você me der uma entrevista eu não te esculacho”, conjugam erradamente alguns verbos, como em “se eu ver” em vez de “se eu vir”, usam “queria” no futuro do subjuntivo, quando o correto seria “quereria” e outras tantas construções que, a depender do contexto em que surgem (um programa de humor, por exemplo) são perfeitamente aceitáveis, dada a informalidade da situação. O “chato” é usar o registro informal não por opção, mas por ignorância. O modo de falar dos repórteres do CQC pode ser considerado uma perfeita aberração. Saber usar o plural corretamente não equivale a proficiência quando o assunto é normal culta do português.
Logo após a matéria sobre o caso da cartilha, onde nenhum especialista no assunto foi consultado, assistimos a um comercial de cerveja com a participação de um repórter do CQC. Nele, ouvimos um famoso e carismático cantor afirmar: “Agora, é meio-dia e meio”. A ideia era fazer um trocadilho com o termo e-mail. Oras, para se fazer uma piadinha, para faturar bem, a norma culta pode ser arranhada sem o menor problema. O ambiente completamente informal – um bar, um anúncio de cerveja, um programa de humor – são ideais para o uso corrente do padrão informal e aceitam erros e “erros”. A cartilha criticada afirmava exatamente isso. Mas, cá entre nós, será que o redator e as demais pessoas envolvidas na elaboração da peça publicitária sabe que cometeu um “deslize” de acordo com a norma culta?
Em outro comercial, outra integrante do CQC nos avisa que não ter tempo para estudar não é problema: basta se matricular nos cursos à distância de uma determinada faculdade que o problema estará devidamente solucionado. Engana-se a jovem humorista-repórter. Estudar, seja à distância, seja de modo presencial, exige tempo, dedicação, curiosidade e esforço. O diploma é que pode vir sem nada disso, apenas pagando mensalidades baixas e ainda levando um tablet como brinde. Em instituições de ensino desse tipo, que oferecem facilidade não requerem esforço e não prometem qualidade, no máximo, se aprende a usar o plural corretamente e a fazer perguntas tão despropositadas quanto a que a mesma repórter-humorista-garota-propaganda faz na matéria sobre a tal cartilha: “Se tudo está certo, para que estudar português?”. Aprender português apenas para decorar regras e assimilar o óbvio é o de menos. Refletir sobre o idioma materno, saber usá-lo de forma rica, variada e precisa, é coisa que, parece, a repórter não sabe muito bem. Alguns chamariam isso de ignorância da mais elementar. Eu não chamo de nada, mas lamento que, a não ser pela desonestidade da matéria, que pretendeu endereçar críticas rasas ao governo federal – há tantas críticas legítimas aguardando por serem feitas, pra (para?) que usar factoides? – as críticas não se justificam, pautadas no senso comum que estão. O senso comum, bem sabemos, funciona, mas é consideravelmente falho para ser plenamente confiável. Os responsáveis pelas críticas à cartilha da Ação Educativa, imagino, com seus plurais perfeitos – será? – não são capazes sequer de entender a afirmação do jagunço Riobaldo, personagem antológica de Guimarães Rosa: “pão ou pães, é questão de opiniães”. Seria um dos maiores escritores de língua portuguesa alguém desinteressado das normas lingüísticas ou um inculto que desconheça o plural de opiniãio?

segunda-feira, maio 16, 2011

pombinhos

um abismo paira
sobre a king-lama
que descama

o poço,
do fundo
deságua pro deserto

muitas portas em meus olhos
entre os dedos, fechaduras
sem clave ou bemol

nos ouvidos, avenidas e o silêncio
e eu mesmo, inviolento
desaprumo, esgarço o rumo

já tão cedo e amar é nada?

há que se renascinventar
rasgar pelo avesso a realidade
agasalhar-se em retalho de arte

derramar o amor, a dois
antes que cedo ou tarde

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