domingo, março 21, 2010

via crucis

Ele fala, é verdade, eu sinto
Ele ensina, acalanta, eu mimo
Ele sente, outra vez, eu minto
Ele vem, me alimenta, eu vinho
Ele apanha, enquanto cochicho
Ele jorra, é amor, vomito
Ele morre, eu não, respiro
Ele volta e eu não me redimo
Me perdoa, pois é Divino.

sábado, março 20, 2010

Perdido no Rio de janeiro? Eu?!

Em janeiro do ano passado, quando fui ao Rio de Janeiro, pratiquei uma estranha e comum mania de homem.
A cidade era completamente nova para mim – só estive lá antes uma vez, a trabalho, durante um único dia – ou seja: um universo com suas próprias regras explodia em todos os meus sentidos. Não vi arrastão, tiroteio, vítimas de bala perdida, ressaca, muro da discórdia, enchente, traficante - acho que vi um traficante, mas falo sobre isso outro dia, que ele merece. Fiquei quase que o tempo todo entre Copacabana, onde me hospedei, e Leblon, com passagens por Ipanema, Arpoador e esticadas até a Lagoa Rodrigo de Freitas, Lapa, Corcovado, passando por Laranjeiras, Dona Marta, essas coisas clássicas de turista.
Se tudo era novidade, muitas vezes eu não fazia ideia nem de onde estava nem por ou para onde ir, mas ia provando e observando de tudo: a areia fofa e clara das praias, as estátuas de Drummond e Dorival Caymi – é dele mesmo, né? – os bares cheios de gente, as músicas, o ar abafado e denso como um torniquete, as ondas selvagens humilhando turistas desacostumados como eu, o cheiro de mar e de filtro solar, a vista do Arpoador diante de um oceano sem nada mais pela frente – o infinito! o infinito! – os itinerários estranhos de ônibus que vão mas não voltam pelo mesmo lugar, as hordas de vendedores de biscoitos globo (doce ou salgado, o sabor é rigorosamente o mesmo), de mate, de sorvete e guaraná – o capitalismo! o capitalismo! – a vista estrondosa e paralisante que se tem aos pés do Cristo – o delírio! o pavor! o êxtase! – a mistura cultural em torno dos arcos mofados da Lapa após um fim de tarde chuvoso – a diversidade! a sujeira! a bagunça! – as janelas abertas dos apartamentos, a ausência de pernilongos, os cardápios repletos de itens ausentes nas despensas, as pessoas que cuidam um pouco melhor do corpo para não fazer feio no verão – a vaidade! – o povo solícito, sempre disposto e acostumado a dar informações – o orgulho de ser carioca! – o ritmo desacelerado de vida pelas bordas da cidade – a vida! – e, para alguém descansando de uma rotina extenuante, devo dizer, não foram poucos os momentos em que senti, de verdade, a vida pulsando no corpo e na alma – a plenitude!
Agora, toda vez que eu me via fora da proa – perdido, nunca! – como bom homem que sou, morria seco, mas não pedia informação! Ou, para evitar morte trágica e besta em viagem de passeio, solicitava a minha companheira:
- Pergunta lá como a gente faz pra chegar em tal lugar!
É que esse negócio de pedir informação é coisa de mulher, todo mundo sabe...

sexta-feira, março 12, 2010

A tia velha que levou o Glauco

Ando me sentindo adulto demais. Claro que tenho saudades da adolescência, quando as preocupações eram se o dia seria de sol para que pudéssemos jogar futebol na quadra da escola, na pracinha. Também sinto falta da infância, quando tudo se resolveria no futuro, as guerras, a falta de grana para ir a algum lugar legal que eu via apenas nas revistas ou na TV, a Copa do Mundo que voltaria a ser nossa...
Mas me sinto adulto demais porque me parece que tudo ao meu redor é adulto e chato demais. O povo do sindicato que me cobra participação “consciente” na greve faz de tudo pra me convencer pelo medo e pela informação truncada; os políticos não vendem mais a ilusão da “esperança de um mundo melhor”, frase que eu ouvia sempre, em espanhol, na abertura de um programa sobre História; as músicas não têm mais nada de poético, lírico, criativo; as novelas já foram todas assistidas.
Os compromissos profissionais – a aula por preparar, as revisões por fazer, as folgas insuficientes, o trânsito – me tiram a vontade de escrever, roubam horas de lazer. Os parentes moram cada vez mais longe, os amigos tresloucados de outrora cada vez mais sisudos, as festas cada vez mais apressadas ou demasiadamente piradas. Parece que é muito difícil nos suportarmos, a nós mesmos e aos outros, sóbrios. E cada vez mais tem gente partindo...
Mas ainda, de vez em quando, eu conseguia escapar de tudo isso. Ainda há músicas legais, de ontem e de hoje; filmes que me transportam por algum momento da náusea do dia a dia, ainda mais quando no cinema (cabeça, blockbuster, não importa), há os contos, os poemas, as crônicas, a piscina, quando sobra tempo e dinheiro uma viagem, e os quadrinhos...
E que bom que há os quadrinhos! As tirinhas! Hábito adquirido na adolescência, as lia diariamente, nos jornais, vez por outra nas revistas da Circo Editorial, enquanto existiram. Era tudo meio adulto, mas bastante escrachado, uma delícia! Quando Chiclete com Banana, Piratas do Tietê e Geraldão deixaram de existir, ainda havia o consolo das tiras do jornal, que tiveram momentos especiais, de muita criatividade, que ainda me ajudavam, a cada manhã, a me sentir, ao menos por dois minutos, antes de sair para pagar alguma conta ou para bater o cartão do pão diário, nem tão adulto assim. Era uma pequena dose de ar fresco matinal.
Aí vão e matam o Glauco, pai do Geraldão e de tantos outros personagens, escrachado, um moleque de 53 anos, ao menos nas tiras – não o conheci pessoalmente, mas as referências são boas. O mundo ficou mais abafado, mais chato, mais adulto. Agora, se a esperança já não é algo que viva sem o senão, parte da molecagem para suportar a burocracia que nos acostumamos a chamar de vida, desapareceu. Agora, do traço explosivo e desbocado, fez-se o silêncio, frio, de gravata, pólvora e sangue.
Essa morte violenta, parece, é uma tia velha, recalcada e muito chata, que se apressa em nos tirar do quintal quando ainda dá tempo de curtir um pouco a brincadeira.

Trocando de colchão

Ontem eu vi o Paulo Miklos, dos Titãs, do filme O Invasor, saindo de uma loja de colchões, em um conhecido e badaladinho bairro de São Paulo.
Não estou mais na fase de me surpreender vendo gente famosa em situações prosaicas, e nem o artista em questão é um Michael Jackson ou uma Ivete Sangalo em termos de fama – se o assunto for talento as coisas relativizam-se até o infinito – mas vê-lo tão perto deu uma mexidinha em alguma parte da memória, dos sentimentos.
Passei a pré-adolescência crendo piamente que os Titãs eram a maior banda de rock do mundo e da História. Achava aquelas músicas do Cabeça Dinossauro e do Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas o que havia de mais revolucionário, independente, anárquico, político, libertário, inovador e raivoso jamais produzido na face da Terra. Queria ser um deles, tocar algum instrumento, gritar para plateias ensandecidas, falar palavrões, talvez até fumar um baseado, por que não? Achava aqueles caras o máximo! Eles eram o colchão que sustentava os meus sonhos!
Agora, vinte e tantos anos depois, após ver água passar por debaixo da ponte até de trás pra frente, o mundo não me permite mais desejar essas coisas com a mesma pegada de antes, se bem que não é raro me pegar, nos momentos de devaneios mais livres, diante de imensa multidão repetindo refrões de minha autoria – sim, nos meus devaneios todas as músicas legais do mundo são composições próprias – viajando pra levar música engajada, divertida, lírica, tudo ao mesmo tempo agora, para quem quiser ouvir.
Não ouço mais os Titãs com a mesma reverência religiosa de antes – sou devoto da arte que julgo ser boa, de qualquer dimensão ou religião, mas meu credo tem um Cristo e culto mesmo só a Ele – mas não desdenho da banda e ainda, quando rola, repito “porrada nos caras que não fazem nada”, “ratos/entrem nos sapatos/do cidadão civilizado”, “não precisa ser alguém/eu consigo viver sem/armas pra lutar” e outras muitas músicas que admiro. Meu colchão não é o mesmo da adolescência, mas ainda acomoda sonhos que não passarão de sonhos.
Ah, sim, o Paulo Miklos está em muito boa forma física. Nada que vi nele me gerou qualquer tipo de melancolia do tipo “nossa, o cara mais doidão dos Titãs agora tá aí, decadente, comprando colchão”. Vestido de modo jovial sem parecer ridículo, fazendo as coisas do dia a dia sem a menor pose. Não sei nada da vida pessoal dele, mas acho que, não deixando de levar em conta os percalços pertinentes de qualquer história humana normal e divertida, ele é um vencedor. Viveu da arte, viveu de uma brincadeira, vive ainda, e me faz pensar que, mesmo passando um bocado dos trinta – aniversário mês passado, cabelos brancos e aquela coisa toda – ainda posso correr atrás de um sonho ou outro que não seja deixar “tudo em dia”, pra citar outra do repertório titânico. O próprio Miklos, já passado dos quarenta, sem deixar o ganha-pão da música foi investir na carreira de ator, parece que ainda tem a capacidade de encantar, experimentar, ainda consegue encontrar colchões que lhe caibam. O vendo andando livremente pela calçada, me lembrei de outra música, de outra banda, que diz : “Eu sou meu”. E ainda posso buscar colchões que suportem o peso dos meus sonhos sem que arrebentem!

Serra e APEOESP: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

O governo Serra, ao contrário do que vemos nas propagandas muito enganosas, não valoriza nem de longe a Educação. os salários pagos aos professores são vergonhosos, aviltantes, uma verdadeira humilhação para quem passou anos estudando e obteve uma qualificação específica. A divisão do magistério por categorias coloca toda a classe do magistério numa situação de conflito, cada um vendo o colega como um inimigo pronto para tomar seu emprego, e não como um colega de trabalho. a ideia de que o professor temporário, aprovado em prova classificatória, deverá ficar um ano fora da sala de aula é tão absurda e perigosa que poderá, nos próximos anos, afastar milhares de pessoas da profissão: ora, sem concursos regulares que atendam à demanda da classe, muito menos a necessidade dos alunos, e ainda com a “promessa” de trabalhar um ano, recebendo um salário ridículo, e de ficar um ano desempregado, já que as escolas privadas não absorverão toda a mão de obra excedente (se bem que é impossível que o governo possa manter esse rodízio se continuar aplicando as famosas provas: sempre haverá um descompasso) torna a profissão docente em um “bico”, em complementação de renda, em algo impossível de ser visto como carreira.
Por esse lado, a greve dos professores da rede estadual paulista é mais do que legítima, necessária, urgente!
Por outro lado, a APEOESP, que há pelo menos um ano e meio sabe que o governo pretende aplicar as provas para os professores temporários, passou todo o ano de 2009 sem nada fazer a respeito. Pede, apenas, que os professores não sejam avaliados, mesmo sabendo que o número de profissionais desleixados nessa área, que não cumpre com as mínimas exigências da profissão, é grande demais para ser ignorado. Sugere que o plano de carreira do magistério seja baseado apenas no tempo de serviço, o que não garante, em hipótese alguma, a qualidade do trabalho do profissional e discrimina os novos docentes. Além disso, a recusa às avaliações sugere à sociedade que o professor tem medo de ser, literalmente, posto à prova, e nos força a ouvir argumentos no mínimo bastante questionáveis, como “uma prova não avalia ninguém”, sendo que muitos dos professores que repetem esse mantra mal interpretado de algumas correntes pedagógicas não abre mão de uma avaliação escrita quando o assunto é “fechar as médias” de seus próprios alunos. Não é reivindicado a sério, como todos sabemos ser fundamental, que o professor tenha em sua grade horária um período voltado para capacitação constante, a famigerada “formação continuada” presente em todos os discursos, mas inviabilizada devido à enorme jornada que os profissionais da educação precisam cumprir. Para investir em sua formação pessoal, o professor precisa abrir mão de parte de seus ganhos, que já são bastante escassos.
Também é fato que o governo, ao avaliar o professor, precisa oferecer condições de que ele possa se manter atualizado. Pela deterioração histórica da profissão docente e da própria educação brasileira, pela qualidade péssima de boa parte das faculdades, é impossível cobrar formação adequada dos docentes sem oferecer condições de que o profissional realmente tenha acesso a essa informação. As oficinas pedagógicas precisam ser realmente atuantes, com profissionais gabaritados, precisa ser acessível a todos os professores da rede, os professores precisam frequentá-las não aos sábados e nas horas livres, mas dentro de seu horário normal de trabalho. A avaliação é fundamental para manter a qualidade da educação, mas só é justa após a formação adequada ser oferecida. Plano de carreira baseado apenas no tempo d serviço é praticamente um convite à inércia.
Tem mais.
A alegação do governo de que a greve dos professores não passa de um movimento político é uma aberração. Toda greve, toda manifestação coletiva, é política, e é saudável que seja assim. Causa estranheza um governo que conta com várias pessoas que lutaram e se organizaram contra a ditadura, apelar para um argumento tão alienado e vazio. Da mesma forma, proibir os professores “categoria O” que trabalham sob o tal contrato que não oferece benefícios, apenas obrigações e um compromisso preestabelecido de deixar o estado me 2011, é um ato praticamente fascista, além de anticonstitucional. Todo trabalhador tem direito de fazer greve, em especial o que está sendo profundamente maltratado, como e o caso do professor da rede estadual de São Paulo, seja ele efetivo, estável ou de qualque r outra categoria.
Contudo, constranger, amedrontar, ameaçar ou discriminar o professor que não faz greve, como têm feito alguns militantes da APEOESP, é algo tão arbitrário quanto a perseguição que o governo Serra tem imposto aos professores contratados. Os professores que temem perder seus empregos por conta da cláusula fora da lei que proíbe a greve, não devem deixar de trabalhar e deveriam ser apoiados pelos colegas que estão livres dessa imposição ditatorial. Em vez disso, o argumento da APEOESP é que de que esses professores que se recusam a participar ativamente da greve, por uma razão absolutamente compreensível, estarão todos desempregados ano que vem. Ficamos, os professores da categoria O, entre ameaças de cá e de lá.
Para encerrar, cabe ressaltar que o governo Serra, que finge se preocupar com a qualidade do ensino, mas que no fundo apenas se especializa em maquiar estatísticas e dados oficiais, não leva a sério a educação, pois tem garantida para as classes mais privilegiadas do ponto de vista econômico as escolas particulares e, posteriormente, um bom número de vagas nas universidades públicas – que, se depender dele logo cobrarão mensalidades. Por outro lado, a APEOESP, ao defender, numa generalização absurda, o mal profissional, ao fugir da avaliação e ao repetir um discurso demagógico que transforma o professor em massa de manobra, também não demonstra grande interesse em melhorar a educação do estado. se o único mérito do professor que deve ser levado em conta é o “tempo de casa”, se a avaliação é, para eles, um disparate, não faz sentido cobrar cursos de capacitação exigir melhores condições de trabalho, material didático e espaço de ensino adequado. Daqui a pouco – e tenho a impressão de que isso não tarda nada – pelo que vemos por parte do governo e por parte da APEOESP, não fará sentido ensinar ou aprender...

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